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Luz del Fuego

(Bailarina )
1917-1967


A Bailarina do Povo. Em 21 de fevereiro de 1917 nascia Dora Vivacqua em Cachoeiro do Itapemirim, no estado do Espírito Santo. Era madrugada de uma segunda-feira de carnaval. Dora foi a décima quinta filha de Etelvina e Antônio Vivacqua. Musa de Carlos Drummond de Andrade. No início dos anos 20, a família Vivacqua mudou-se para Belo Horizonte, capital do estado mineiro. Dora, ao conhecer o serpentário do Instituto Ezequiel Dias, fez dele o seu passeio preferido. Geniosa e não aceitava ordens nem opiniões sobre sua vida e se sentia sufocada na pequena Cachoeiro. Nem mesmo Vitória lhe era conveniente. Queria ir para o Rio de Janeiro. Abominava o uso do sutiã. Desfilava pela praia de Marataízes de calcinha e bustiê improvisado com lenços, quando o biquini ainda estava longe de constar do vocabulário nacional. Com a morte por assassinato de seu pai Antônio em agosto de 1929, Dora para o Rio de Janeiro, então capital federal, sob a tutela de seu irmão Attilio. Em janeiro de 1936, aos 19 anos de idade, Dora vive um romance com José Mariano Carneiro da Cunha Neto, que pertencia a uma das mais importantes família do Rio. Attilio, intolerante com o relacionamento da irmã, mandou-a de volta para Minas onde sua irmã Angélica flagra, em sua própria cama, seu marido Carlos, um dos maiores empreiteiros do Brasil à época, praticando sexo com Dora. A maior parte da família preferiu acreditar nas mentiras de Carlos e tomou Dora como esquizofrênica. Isso lhe custou dois meses de internação no Hospital Psiquiátrico Raul Soares, em Belo Horizonte, e dez quilos a menos. Um dos irmãos de Dora, Achilles, enfrentou Carlos e o proibiu de voltar à casa dos Vivacqua. Preocupado com o estado de Dora, quando ela saiu do hospital, Achilles a convenceu a passar uma temporada na fazenda de Archilau, outro irmão, quatorze anos mais velho que ela. A moça passou a desfrutar de alguma liberdade, até que apareceu como "Eva", com três folhas de parreira presas nos seios e no púbis e duas cobras-cipós como braceletes, para o filho do administrador da fazenda, responsável em acompanhá-la onde quer que fosse. Quando repreendida por Archilau, jogou-lhe um vaso de cristal na testa. Toda essa rebeldia causou uma segunda internação, desta vez na Casa de Saúde Dr. Eiras, famosa clínica psiquiátrica do Rio de Janeiro. Achilles interviu mais uma vez e a irmã Mariquinhas resgatou Dora, levando-a para morar com ela em Cachoeiro. Por pouco tempo. Dora fugiu para o Rio. Em 1937, novamente no Rio de Janeiro, a moça retomou seu romance com Mariano, mas não aceitou oficializar a relação. Aventurou-se como pára-quedista, porém foi logo proibida por Mariano. Apaixonada, viu na proibição uma demonstração de amor. As desavenças tornaram-se violentas, quando decidiu fazer um curso de dança na academia Eros Volúsia. Em 1944, tornou-se a atração da noite no palco do picadeiro do Circo Pavilhão Azul, sendo anunciada como "a única, a exótica, a mais sexy e corajosa bailarina das Américas: Luz Divina e suas incríveis serpentes!" Depois de dois anos, dezessete dias e quase uma centena de mordeduras, fazia seu espetáculo na companhia do casal de jibóias Cornélio e Castorina. No final da Segunda Guerra, havia treinamentos de blackout, que deixavam Copacabana às escuras, "preparando-se para imaginários ataques dos inimigos" e Dora anotava suas experiências pessoais em um diário. Em 1947, por sugestão do palhaço Cascudo, mudou o nome para Luz del Fuego, alcunha de um batom argentino recém-lançado no mercado. Conforme Cascudo, "nome estrangeirado atraía público". A imagem do "fogo" representava bem a nova opção de vida de Dora, já que antes ela era "água viva" (Vivacqua). Luz já havia salvado vários circos da falência com seus espetáculos, quando foi contratada pela primeira vez pelo casal Juan Daniel e Mary Daniel, donos do Follies, um pequeno teatro em Copacabana. Suas falas, que ela nunca decorava, ficaram sob responsabilidade de um jovem membro da família que, aos doze anos, ingressava na carreira artística: Daniel Filho. O espetáculo "Mulher de Todo Mundo" fez muito sucesso. As notas na imprensa começaram a aparecer e as atividades de Luz causavam incômodo à família. Attilio havia sido eleito senador e ter uma irmã dançarina era um prato cheio para os adversários. Não bastasse isso, Luz resolveu publicar seu diário com o título de "Trágico Black-Out". Eram trechos comprometedores, como a sedução pelo cunhado, e fatos que aludiam a uma prostituição assumida. O senador conseguiu comprar mais da metade da edição, (mil exemplares) e colocar fogo nos volumes. Na orelha da capa do livro, Luz anunciava um segundo com o sugestivo nome de Rendez-vous das Serpentes. Em 1950, começou a colocar em prática as idéias naturalistas de vegetarianismo e nudismo apresentados em Trágico Black-Out. "Um nudista é uma pessoa que acredita que a indumentária não é necessária à moralidade do corpo humano. Não concebe que o corpo humano tenha partes indecentes que se precisem esconder". Luz começou a tornar públicas suas idéias em um país onde ainda não se usava maiô de duas peças nas praias e o culto ao corpo se resumia aos concursos de Miss Brasil. Reunia um pequeno grupo de amigas na praia de Joatinga, próximo a sua casa na avenida Niemeyer. Era uma praia deserta devido ao difícil acesso. Acompanhavam Luz Domingos Risseto, Miss Gilda e Miss Lana (estes dois, transformistas amigos de Luz), alguns cães e Cornélio e Castorina, "sua maior garantia contra os abelhudos". A polícia foi até lá e levou todos para a delegacia. Luz percebeu então que o nudismo lhe asseguraria a evidência. Publicou o livro "A Verdade Nua". Nele lançava as bases de sua filosofia naturalista. A família não precisou se preocupar desta vez, porque as próprias autoridades deram sumiço no livro. A segunda edição foi vendida por reembolso postal. O dinheiro serviria para arrendar uma ilha na qual instalaria a sede de seu clube naturalista. Assim, na primeira metade dos anos 50, Luz del Fuego causava furor por onde passava. Do Rio de Janeiro, passou a ser conhecida em todo o país. Seus shows eram garantia de bilheteria certa e levavam todos ao delírio. Era o tempo das vedetes: Mara Rúbia, Virgínia Lane, Dercy Gonçalves e Elvira Pagã, sua maior rival. Luz chegou a ser capa da revista Life, nos Estados Unidos. Doava rendas de seus espetáculos para instituições beneficentes,fazendo leilões de si mesma. Foi multada e detida para interrogatórios várias vezes, depois alardeava em praça pública que o delegado, juiz ou prefeito, era muito duvidoso para seu gosto, porque "homem que é homem aprecia a beleza do corpo feminino". E era detida outra vez, por desacato à autoridade. Seus irmãos se projetavam na política, no comércio e na área artística. O parentesco era inoportuno e eles a perseguiam cada vez mais. Attilio comprava edições inteiras de revistas nas quais Luz aparecia e perdeu as eleições para governador no Espírito Santo (o adversário espalhara cabos eleitorais fantasiados de padres que andavam pelo interior do estado apregoando que o senador Vivacqua era irmão de uma mulher demoníaca). Luz tirava proveito da situação e, quando necessitava de dinheiro, ameaçava dançar nua nas escadarias do Senado. Attilio a chamava de chantagista, mas ela dizia que estava apenas cobrando a parte que lhe surrupiaram da herança paterna. Dizia que seu banco preferido era o "Preconceito S.A., de propriedade dos meus irmãos". Luz se cercava de amigos homossexuais e de seu principal parceiro no palco, Domingos Risseto. Criou o PNB, Partido Naturalista Brasileiro, e conseguiu isto à custa de espetáculos gratuitos, seminua, nas escadarias do Teatro Municipal. Attilio impediu o registro do partido. Luz seduziu o ministro da Marinha para conseguir a cessão de uma ilha para a sede de sua colônia, a ilha de Tapuama de Dentro, que tinha dois terços de seus oito mil metros quadrados formados de rochas, além de cactos e arbustos secos. Sentiu-se enganada e com vontade de desistir, mas isto não era de sua natureza. "Domingos", gritou do alto de um rochedo, "não é linda a nossa Ilha do Sol? A partir da segunda metade dos anos 50, a Ilha do Sol passou a ser uma das grandes atrações do Rio de Janeiro, apesar de não fazer parte dos roteiros turísticos oficiais. Várias estrelas do cinema americano conheceram a ilha: Errol Flynn, Lana Turner, Ava Gardner, Tyrone Powel, César Romero, Glenn Ford, Brigitte Bardot e Steve MacQueen, que encerrou sua temporada de uma semana na ilha depois de acordar com uma das jibóias de Luz sobre seu peito. Em 1959, a loiríssima Jayne Mansfield e seu marido aportaram na ilha, mas foram proibidos de descer pois Jayne não queria ficar nua. Nos anos 60 Luz passou a viver na e para a Ilha do Sol. Suas reservas financeiras foram terminando, a idade foi chegando e o mito começou a desaparecer. Seus amantes já não eram homens influentes e ricos. Envolveu-se com Júlio, um pescador musculoso e analfabeto, com quem manteve uma relação de muitos meses. Para que ele fosse vê-la diariamente, sustentava sua família em Paquetá. Seu último amor foi o guarda portuário Hélio Luís da Costa. Casado e com dois filhos, mandava o dinheiro de Luz para casa, enquanto passava suas folgas na ilha. Os amigos quiseram alertá-la para um possível perigo do envolvimento com pessoas "deste nível". Ela respondia que não se preocupassem e arrematava: "Eu sou uma Luz que não se apaga". Em 19 de Julho de 1967 os irmãos Alfredo Teixeira Dias e Mozart "Gaguinho" Dias armaram uma emboscada para Luz del Fuego. As ações criminosas de Mozart haviam sido apontadas à polícia por Luz e ele queria se vingar. Atraiu Luz ao seu barco e a matou. Fez o mesmo com o caseiro Edgar. O crime só foi desvendado duas semanas depois, a partir do depoimento que um coveiro deu aos jornalistas Mauro Dias, do jornal O Dia e Mauro Costa, do jornal Última Hora. Alfredo foi preso e confessou a participação nas mortes. Os corpos foram resgatados no dia primeiro de agosto. Gaguinho escapou de forma espetacular, trocando balas com a polícia durante quinze dias. Somente depois de ter matado um cabo foi preso. A morte de Luz del Fuego poderia não importar à polícia, mas a de um colega militar, em plena ditadura, era algo imperdoável. Gaguinho foi preso e, junto com o irmão, condenado à pena máxima. Cumpriu sua pena no manicômio judiciário do Rio de Janeiro. Alfredo converteu-se a uma igreja evangélica e buscou o arrependimento e o perdão através de uma missionária de nome Dora. Ditou a um colega de cela os detalhes de seus crimes e chamou o relato de A Tragédia da Ilha do Sol.




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