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Leonardo de Moraes

(Advogado e professor)



Leonardo de Moraes é advogado, professor da Universidade Paulista (UNIP) e da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestrando em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), instituição pela qual também se graduou, é apaixonado pela arte de contar histórias. O texto que apresentamos consta de seu primeiro livro, “A caixa de confeitos & Contos sortidos”, publicado pela Editora Manole – Barueri, 2006, pág. 99.


Tudo o que Dóris precisava era energia para pular, já que tinha sérios pretextos para tanto... Faltava-lhe um pouco daquela coragem dos malucos ou dos viscerais, aquela força pulsante vinda de algum chacra descompassado, a invadir pernas, tronco, membros... esquentando pensamentos e secando todas as lágrimas.

Naquela noite de réveillon, porém, qualquer faísca emocional a servir de estopim tardava a aparecer. Dóris estava segura, pausada, equilibrada em sua resolução de saltar... e tanto desassombro não a motivava, não a empolgava e fazia-lhe entediar-se com a idéia do próprio adeus. Afinal, idealizava-se planando tal qual gaivota branca... numa excitação do vento no rosto antes do encontro com as piscinas do hotel. Mas agora, depois dos fogos anunciando o ano-novo... a cama lhe parecia mais próxima, mais amável, enquanto o térreo lhe esperava tão distante uns vinte andares.

Pôs-se então a flertar com a paisagem... o mar, o piscar de embarcações no horizonte, o tênue reflexo da minguante, o movimento acalmando nos deques, na orla... e alguns rojões retardatários, ainda trovejando a passagem de há duas horas.

"Que linda é minha cidade..." sussurrou meiga, arrastando a cadeira de vime mais para a beirada da sacada. "Lá ao longe consigo até mesmo ver a Praia dos Anjos... o Ilha do Forte..." pensou sorrindo. "Também dava pra ver o Morro da Saudade... Pena essa construção ter atrapalhado tanto a vista...” E Dóris entregou-se a considerações sobre como os anos mudam a cidade... como a própria cidade pode mudar, em questão de anos, a nossa própria vida. Então sucedeu-se o borboleteio solto dos mais obscuros pensamentos e logo pousou entre seus olhos, uma vez mais, a pesarosa resolução de morte.

"Quem comparecerá ao meu enterro?" cogitou curiosa, como de hábito. “Talvez o pessoal do bridge... o meu cirurgião plástico, o Dr. Soares... a Naira e os meus sobrinhos lindos... o rapaz da farmácia, de olho na minha pensão de viúva... a enfermeira da minha filha..." e assim ficou algumas dezenas de minutos, sentada na beirada, mãos na boca a visualizar mentalmente um funeral que jamais veria.

Dóris gostava de imaginar as alças de seu caixão sendo disputadas por antigos namorados. Para ela, todos deveriam estar presentes, mesmo os mais antigos. Estes, delirava, teriam encontrado seu nome no obituário do jornal e logo decidido prestar-lhe a derradeira homenagem. E soprava ao ar a fumaça de uma longa e prazerosa tragada, um dos pés descalços sobre a cadeira de vime e o outro para fora do parapeito.

Então quando o celular tocou, ela logo atendeu, numa tosca busca por alento. "Dona Dóris... a menina acordou, tua filha acordou...”. Tanta felicidade atrapalhou suas pernas e a brasa de um cigarro lhe queimou os reflexos. O desequilíbrio veio em segundos e por mais que ela tentasse se segurar, a tão esperada energia visceral enfim propôs-se a levá-la embora. Quando já não tinha mais pretextos ou motivos para dar adeus, evanesceu em plena queda livre.

Tudo o que Dóris precisava era energia para pular, já que tinha sérios pretextos para tanto... Faltava-lhe um pouco daquela coragem dos malucos ou dos viscerais, aquela força pulsante vinda de algum chacra descompassado, a invadir pernas, tronco, membros... esquentando pensamentos e secando todas as lágrimas.

Naquela noite de réveillon, porém, qualquer faísca emocional a servir de estopim tardava a aparecer. Dóris estava segura, pausada, equilibrada em sua resolução de saltar... e tanto desassombro não a motivava, não a empolgava e fazia-lhe entediar-se com a idéia do próprio adeus. Afinal, idealizava-se planando tal qual gaivota branca... numa excitação do vento no rosto antes do encontro com as piscinas do hotel. Mas agora, depois dos fogos anunciando o ano-novo... a cama lhe parecia mais próxima, mais amável, enquanto o térreo lhe esperava tão distante uns vinte andares.

Pôs-se então a flertar com a paisagem... o mar, o piscar de embarcações no horizonte, o tênue reflexo da minguante, o movimento acalmando nos deques, na orla... e alguns rojões retardatários, ainda trovejando a passagem de há duas horas.

"Que linda é minha cidade..." sussurrou meiga, arrastando a cadeira de vime mais para a beirada da sacada. "Lá ao longe consigo até mesmo ver a Praia dos Anjos... o Ilha do Forte..." pensou sorrindo. "Também dava pra ver o Morro da Saudade... Pena essa construção ter atrapalhado tanto a vista...” E Dóris entregou-se a considerações sobre como os anos mudam a cidade... como a própria cidade pode mudar, em questão de anos, a nossa própria vida. Então sucedeu-se o borboleteio solto dos mais obscuros pensamentos e logo pousou entre seus olhos, uma vez mais, a pesarosa resolução de morte.

"Quem comparecerá ao meu enterro?" cogitou curiosa, como de hábito. “Talvez o pessoal do bridge... o meu cirurgião plástico, o Dr. Soares... a Naira e os meus sobrinhos lindos... o rapaz da farmácia, de olho na minha pensão de viúva... a enfermeira da minha filha..." e assim ficou algumas dezenas de minutos, sentada na beirada, mãos na boca a visualizar mentalmente um funeral que jamais veria.

Dóris gostava de imaginar as alças de seu caixão sendo disputadas por antigos namorados. Para ela, todos deveriam estar presentes, mesmo os mais antigos. Estes, delirava, teriam encontrado seu nome no obituário do jornal e logo decidido prestar-lhe a derradeira homenagem. E soprava ao ar a fumaça de uma longa e prazerosa tragada, um dos pés descalços sobre a cadeira de vime e o outro para fora do parapeito.

Então quando o celular tocou, ela logo atendeu, numa tosca busca por alento. "Dona Dóris... a menina acordou, tua filha acordou...”. Tanta felicidade atrapalhou suas pernas e a brasa de um cigarro lhe queimou os reflexos. O desequilíbrio veio em segundos e por mais que ela tentasse se segurar, a tão esperada energia visceral enfim propôs-se a levá-la embora. Quando já não tinha mais pretextos ou motivos para dar adeus, evanesceu em plena queda livre.

Doris vai pular


Tudo o que Dóris precisava era energia para pular, já que tinha sérios pretextos para tanto... Faltava-lhe um pouco daquela coragem dos malucos ou dos viscerais, aquela força pulsante vinda de algum chacra descompassado, a invadir pernas, tronco, membros... esquentando pensamentos e secando todas as lágrimas.

Naquela noite de réveillon, porém, qualquer faísca emocional a servir de estopim tardava a aparecer. Dóris estava segura, pausada, equilibrada em sua resolução de saltar... e tanto desassombro não a motivava, não a empolgava e fazia-lhe entediar-se com a idéia do próprio adeus. Afinal, idealizava-se planando tal qual gaivota branca... numa excitação do vento no rosto antes do encontro com as piscinas do hotel. Mas agora, depois dos fogos anunciando o ano-novo... a cama lhe parecia mais próxima, mais amável, enquanto o térreo lhe esperava tão distante uns vinte andares.

Pôs-se então a flertar com a paisagem... o mar, o piscar de embarcações no horizonte, o tênue reflexo da minguante, o movimento acalmando nos deques, na orla... e alguns rojões retardatários, ainda trovejando a passagem de há duas horas.

"Que linda é minha cidade..." sussurrou meiga, arrastando a cadeira de vime mais para a beirada da sacada. "Lá ao longe consigo até mesmo ver a Praia dos Anjos... o Ilha do Forte..." pensou sorrindo. "Também dava pra ver o Morro da Saudade... Pena essa construção ter atrapalhado tanto a vista...” E Dóris entregou-se a considerações sobre como os anos mudam a cidade... como a própria cidade pode mudar, em questão de anos, a nossa própria vida. Então sucedeu-se o borboleteio solto dos mais obscuros pensamentos e logo pousou entre seus olhos, uma vez mais, a pesarosa resolução de morte.

"Quem comparecerá ao meu enterro?" cogitou curiosa, como de hábito. “Talvez o pessoal do bridge... o meu cirurgião plástico, o Dr. Soares... a Naira e os meus sobrinhos lindos... o rapaz da farmácia, de olho na minha pensão de viúva... a enfermeira da minha filha..." e assim ficou algumas dezenas de minutos, sentada na beirada, mãos na boca a visualizar mentalmente um funeral que jamais veria.

Dóris gostava de imaginar as alças de seu caixão sendo disputadas por antigos namorados. Para ela, todos deveriam estar presentes, mesmo os mais antigos. Estes, delirava, teriam encontrado seu nome no obituário do jornal e logo decidido prestar-lhe a derradeira homenagem. E soprava ao ar a fumaça de uma longa e prazerosa tragada, um dos pés descalços sobre a cadeira de vime e o outro para fora do parapeito.

Então quando o celular tocou, ela logo atendeu, numa tosca busca por alento. "Dona Dóris... a menina acordou, tua filha acordou...”. Tanta felicidade atrapalhou suas pernas e a brasa de um cigarro lhe queimou os reflexos. O desequilíbrio veio em segundos e por mais que ela tentasse se segurar, a tão esperada energia visceral enfim propôs-se a levá-la embora. Quando já não tinha mais pretextos ou motivos para dar adeus, evanesceu em plena queda livre.







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