Efeito Lula repercute em Wall Street e Malan reage









Efeito Lula repercute em Wall Street e Malan reage
Para ministro, redução da classificação da dívida do Brasil por conta de pesquisa é "equivocada"

BRASÍLIA - A atitude da consultoria internacional Morgan Stanley, que incluiu a liderança do petista Luiz Inácio Lula da Silva na corrida presidencial entre os motivos para reduzir a classificação da dívida do Brasil, provocou ontem uma reação quase imediata do ministro da Fazenda, Pedro Malan. "Se a causa é o resultado de uma pesquisa, eu diria que é uma razão equivocada. Pesquisa de opinião, teremos pelo menos uma por semana ao longo dos próximos cinco meses", disse. "Espero que os analistas da cena brasileira levem em conta o que interessa, que é a economia, e não as danças das pesquisas."

Mesmo assim, Malan retomou suas habituais críticas ao PT - depois de ter causado surpresa na semana passada ao ressaltar as "afinidades eletivas" entre o governo e seu candidato, num gesto interpretado como uma estocada em José Serra. Numa entrevista coletiva marcada por elogios ao candidato do PSDB, o ministro cobrou dos petistas posições mais claras sobre temas econômicos.

"À medida que nos aproximamos do final de 2002, os problemas com que temos de lidar no dia-a-dia são afetados menos pelo que fazemos e mais pela expectativa do que farão nossos sucessores", afirmou. "Essa é a razão pela qual cobro um mínimo de racionalidade econômica e maturidade política, em particular daqueles que acham que vão ganhar a eleição e teriam de ter a preocupação de assegurar uma transição o menos turbulenta possível."

Malan apontou contradições entre orientações aprovadas pelo PT que pregam, por exemplo, a ruptura com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e as declarações moderadas de Lula e do deputado petista Aloízio Mercadante (SP).

"Há decisões formalizadas que espero sejam reformuladas, se a posição mudou", disse o ministro.

"Senão causa uma enorme confusão na cabeça de um simples leitor como eu, que não sabe o que vale: o que foi aprovado no congresso do partido ou uma declaração furtiva concedida numa televisão a cabo à noite e uma entrevista, num jornal especializado, de um integrante do partido", completou, numa referência a uma entrevista de Lula à emissora Globonews e a outra de Mercadante ao jornal Valor Econômico.

O ministro registrou as afirmações de Mercadante de que o corte da taxa de juros "não é um ato de vontade" e que "não existe mágica" nesse assunto.

"São coisas que digo há anos", disse Malan, apontando o que considera uma mudança de posição do PT. "Tomo como sinal positivo, desde que não seja um mero discurso pré-eleitoral do tipo 'esqueçam o que eu pensava anteriormente e olhem o que eu digo agora, a cinco meses das eleições.'"

"Imaginação" - O ministro creditou à "imaginação fértil" a interpretação de que tinha criticado Serra em Nova York, ao lembrar as tais "afinidades eletivas" e evitar citar o nome do candidato que gostaria de ver eleito. Malan citou uma entrevista concedida em janeiro:

"Disse na ocasião que Serra é um dos grandes quadros políticos do País."

Indagado se já sabe em quem vai votar, lembrou as declarações da semana passada: "Disse que meu voto iria para o candidato que melhor expressar à população a importância de avançar mais nas mudanças que o Brasil vem experimentando."

O presidente Fernando Henrique Cardoso, reafirmou Malan, não vai deixar de governar até 31 de dezembro deste ano e fará o que tiver de ser feito para preservar "as conquistas dos últimos anos, que são da sociedade". De acordo com o ministro, a população não vai aceitar a volta da inflação e do imposto inflacionário para financiar o gasto público.

Diante de uma pergunta sobre sua permanência no governo, Malan respondeu:

"Se o presidente, a quem cabe nomear e demitir, me pedir que permaneça até 31 de dezembro de 2002, eu permanecerei. Se me pedir que deixe de ser o ministro da Fazenda, deixarei."


Serra critica rebaixamento dos papéis da dívida
Para candidato, banco e corretora estrangeiros estão 'contaminados por pesquisismo'

O senador José Serra (SP), candidato do PSDB à Presidência, criticou ontem o banco e a corretora internacionais que rebaixaram os papéis da dívida brasileira por causa das pesquisas eleitorais. "Eles estão contaminados pelo pesquisismo", considerou Serra. "Mas já cometeram esse erro e deveriam ter aprendido que campanha no Brasil só começa após a Copa do Mundo e o horário eleitoral."

Em um dia típico de campanha, Serra saiu de um almoço na Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB) para um encontro de presidenciáveis, na Força Sindical, junto com os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Anthony Garotinho (PSB) e Ciro Gomes (PPS).

Diante de 1.040 empresários convidados da ADVB, no Clube Monte Líbano, defendeu um Ministério do Comércio Exterior e voltou a atacar a proposta de Lula em criar uma alíquota de até 50% para o Imposto de Renda. "Não arrecada nada, sobrecarrega a classe média e estimula a sonegação", contestou o senador. "É um erro político, técnico e tributário."

Depois, na Força Sindical, arrematou. "É só para dar imagem de Robin Hood."

Já para os 1.500 trabalhadores acomodados em uma tenda plástica, na Zona Norte, deu ênfase para o desemprego e Previdência e defendeu a criação de um Ministério da Segurança. "Precisamos proporcionar três seguranças: a do emprego, contra a violência e aquela que se refere ao futuro", discursou Serra. Lá, criticou Garotinho, que antes dele havia prometido uma queda drástica nos juros. "Qualquer um que baixar para 6% no ano que vem, fura o balão e entra para o padrão Argentina."

Na ADVB, o discurso de uma hora foi interrompido seis vezes por palmas e saudado pelo presidente José Zetune, como "uma demonstração de preparo, conteúdo e simplicidade". Segundo Zetune, foi o almoço mais concorrido em 31 anos da ADVB. Nas perguntas dos dirigentes empresariais, recebeu mais elogios que críticas.

Foi especialmente aplaudido quando tentou afastar a imagem de tecnocrata, criticando alguns mitos da economia. "A economia não é um altar de sacrifícios permanentes", observou, antes de citar uma professora inglesa sobre a necessidade de se estudar o tema. "É bom aprender a não ser engando pelos economistas."

Já entre os trabalhadores da Força Sindical, a recepção da platéia foi menos empolgada. Em alguns momentos, chegou a enfrentar hostilidade do público.

Enquanto se preparava para responder uma pergunta sobre a CPMF, os espectadores ensaiaram gritos de protesto.

Depois, ao afirmar que não falta remédio gratuito no País, a platéia retrucou com um grito uníssono: "Falta! Falta sim!" Serra, alterado, elevou a voz. "Não, há uma grande diferença: uma coisa é faltar e outra é não chegar até a população."

Para as duas platérias, Serra reservou o mesmo final. "Não há nada de errado no Brasil que não possa ser consertado pelo que o País tem de bom."


Ciro quer taxar consumo em vez dos salários
Com críticas ao modelo econômico do governo e à globalização, mas sem pregar rupturas, e dando ênfase ao crescimento econômico com estabilidade, o candidato do PPS a presidente, Ciro Gomes, apresentou ontem seu "projeto nacional de desenvolvimento". Entre os planos, exibidos no Encontro com Presidênciáveis, da Força Sindical, destaca-se o fim da tributação dos salários em troca da taxação do consumo.

Esse novo imposto seria progressivo. "Quem consumiu pouco paga pouco, quem consumiu abusivamente pode até pagar R$ 1 por cada R$ 1 consumido", explicou Ciro. A cesta básica, medicamentos de uso continuado e os aluguéis ficariam i sentos. Pelo projeto do candidato, também acabariam os impostos que oneram a produção.

Citando as baixas aposentadorias pagas no Brasil - até a de sua mãe, de 74 anos - para ilustrar o caos na Previdência, Ciro pregou a criação de um sistema semelhante aos fundos de pensão. Segundo ele, a fonte de custeio seria parte do faturamento líquido das empresas.

Ciro defendeu a queda na taxa de juros, distribuição de renda e geração de empregos. Colocou-se contrário à criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) em 2005, propôs a federalização do combate ao crime organizado, o financiamento público das campanhas e maior participação da sociedade, por meio de plebiscitos.

Durante a palestra, ele aproveitou para alfinetar seu concorrente, Luiz Inácio Lula da SIlva (PT), considerando uma "temeridade" Lula querer ser presidente sem ter experiência administrativa. Acompanhado de sua namorada, a atriz Patrícia Pillar, Ciro causou furor ao dizer que ela estava completando um mês de quimeoterapia para combater ao câncer.

Ao apresentar o evento, o presidente da Força, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, cometeu um ato falho e referiu-se a Ciro como "presidente".

Paulinho é filiado ao PTB, que apóia o candidato do PPS.


Malan protege os especuladores, ataca Garotinho
Diante da platéia reunida pela Força Sindical, no Encontro com os Presidenciáveis, o ex-governador do Rio enfatizou que sempre foi de esquerda. Ganhou aplausos ao dizer, numa referência ao concorrente Ciro Gomes, que "não sou daqueles que nasceram no PDS e viraram de esquerda". Mas logo depois, no encontro à parte com jornalistas, o presidenciável ressalvou que o fato de pertencer à esquerda não deve assustar os credores internacionais: "Nunca falei em moratória e sempre honrei os compromissos."

Dessa vez, a referência foi ao PT, de Lula, que no passado defendeu a moratória.

No discurso com o qual se apresentou à platéia, Garotinho defendeu sobretudo o crescimento econômico: "Quero mudar o modelo econômico, provar que o crescimento não vai explodir o País, como Pedro Malan e Armínio Fraga vivem dizendo, para proteger os especuladores."

O crescimento seria possível, segundo Garotinho, com uma política de crédito especial para o setor produtivo e a redução nas taxas de juros, que chamou de escandalosas: "O Brasil é o único país do mundo no qual o agiota empresta dinheiro mais barato do que os bancos. É uma vergonha." O ex-governador também chamou de vergonhosa a CPMF e prometeu reformar o "arcabouço tributário, totalmente superado."

Ele recheou a apresentação inicial e as respostas às perguntas da meia hora seguinte com demoradas histórias, em tom de parábolas, a exemplo do que costuma fazer Leonel Brizola, líder do PDT, partido ao qual o ex-governador também já pertenceu. Ganhou palmas quando contou o diálogo com um de seus filhos, segundo o qual o pai estaria se metendo numa "gelada" ao deixar o governo estadual e a reeleição, quase certa, para tentar a Presidência.

Garotinho afirmou que sua candidatura é uma "missão" e que não pode ser feliz com 13 milhões de brasileiros desempregados e 50 milhões com fome.


PFL tenta embaralhar jogo e 'lança' Silvio Santos
Partido quer mostrar que tem cacife eleitoral e provar que candidatura de Serra é "frágil"

BRASÍLIA - Deu um certo ânimo ao PFL o bom desempenho do apresentador Silvio Santos nas simulações da eleição presidencial incluídas em pesquisa do Instituto Sensus, divulgada ontem. Integrantes do partido voltaram a afirmar que a legenda terá papel decisivo na disputa e disseram que, a partir de agora, é necessário "dar uma pausa para a meditação, para a análise das sensibilidades", conforme o ex-senador Antonio Carlos Magalhães (BA).

Com base na pesquisa e na possibilidade de serem testados outros nomes - como a executiva Maria Sílvia Bastos, que está deixando a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o vice-presidente Marco Maciel e o presidente do partido, senador Jorge Bornhausen -, a cúpula do PFL prometia transformar numa festa o jantar programado para a noite de ontem no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice. Assim, seguindo a sugestão de parlamentares ouvidos na semana passada, decidiu adiar até junho qualquer decisão sobre sua participação na eleição.

Confusão - Numa estratégia cujo objetivo é provocar confusão no processo eleitoral, o PFL deverá lançar a cada dez dias um novo nome. Ao mesmo tempo, atuará em duas frentes. Uma a favor de Ciro Gomes e pelo afastamento do presidente do PPS, senador Roberto Freire (PE), do comando do processo. E outra por uma aliança com os tucanos, desde que o senador José Serra saia da disputa.

"Temos certeza de que nossos votos vão decidir a eleição", diz Antonio Carlos, que reapareceu em Brasília com a intenção de combater os simpatizantes de uma coligação com Serra, dentre os quais se destacam os governadores Jaime Lerner, do Paraná, e Siqueira Campos, do Tocantins. Esse grupo, porém, representa uma minoria. "Uns 5%", contabiliza o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN).

O aparecimento do nome de Silvio Santos na pesquisa da Sensus veio em boa hora para o PFL. Os dirigentes do partido afirmam que os 17,8% registrados pelo apresentador servem não só para mostrar o cacife eleitoral da legenda, mas também para deixar clara a fragilidade da candidatura de Serra.

No jantar no Palácio do Jaburu, os políticos do PFL pretendiam fazer também um mea-culpa do fracasso da candidatura da ex-governadora Roseana Sarney (MA), que recusou o convite para participar do encontro. De acordo com a direção do PFL, uma suposta ação de espionagem atrapalhou Roseana, mas pior mesmo foram os erros da ex-candidata. Se não tivesse se exposto tanto, ao guardar R$ 1,34 milhão na sede de sua empresa - a Lunus -, e não tivesse se complicado tanto para explicar a origem do dinheiro, a repercussão do episódio seria menor. E Roseana não teria de renunciar.


Tucanos vão reforçar identidade governista
BRASÍLIA - Preocupados ou não com os números das pesquisas sobre a sucessão presidencial, os tucanos concordam em um ponto: para embalar a candidatura do senador José Serra é preciso "colar" seu nome ao governo Fernando Henrique Cardoso. Aliás, é o que defende o publicitário Nizan Guanaes, que o presidente gostaria de ver integrando a campanha tucana.

"Nossa primeira tarefa é deixar bem claro que Serra representa a continuidade de todos os programas que compõem a rede de proteção social que interessa sobretudo à população de mais baixa renda", avalia o líder do PSDB no Senado, Gerando Melo (RN).

Os tucanos estão convencidos de que Serra só voltará a crescer nas pesquisas depois de 6 de maio, quando serão exibidas no rádio e na TV as mensagens que o candidato gravou para cada uma das 27 unidades da federação. A expectativa é que Nizan possa ainda ter influência nesses programas.

Números - Defensor da candidatura Serra, o líder do PSDB na Câmara, Jutahy Júnior (BA), diz que não leva em consideração o levantamento CNT-Sensus apresentado ontem. "Ele peca pelo vício de origem", afirma o líder, referindo-se ao fato de a Confederação Nacional dos Transportes ser comandada pelo presidente do PFL mineiro, Clésio Andrade.

A pesquisa mostra a queda do tucano em três pontos na preferência do eleitorado, mesmo em segundo lugar. Com o apresentador Silvio Santos no páreo, Serra vai para o terceiro lugar. "É mais uma tentativa inútil do PFL de fazer um movimento, de fora para dentro, para mudar o candidato do PSDB", diz Jutahy.

Mas ninguém ousa falar mal de Silvio Santos no PSDB. A avaliação é a de que o apresentador acabará reforçando a candidatura Serra. Além disso, um dirigente do PSDB aposta que a candidatura do dono do SBT não emplacaria no PFL porque o ex-senador Antonio Carlos Magalhães e o senador José Sarney comandam afiliadas da Rede Globo na Bahia e no Maranhão.


Serra está consolidado, diz Tasso
Apesar dos apelos do PFL, ex-governador garante que não se candidata

FORTALEZA - O ex-governador do Ceará Tasso Jereissati (PSDB) reiterou ontem que a hipótese de retomada de sua candidatura à Presidência está descartada, apesar dos apelos do PFL. Em entrevista à emissora de TV paga Bloomberg, em Nova York, ele assegurou que o PSDB levará a candidatura do senador José Serra (SP) até o fim. "A candidatura do ministro José Serra está consolidada e os números dele já são muito bons. Mostram competitividade", avaliou. Ele está em férias nos Estados Unidos e retorna ao Brasil amanhã.

Tasso disse que a situação do tucano nas pesquisas de intenção de votos não preocupa, "porque ainda não existe uma definição muito sólida dos eleitores com relação aos seus candidatos". "Essas pesquisas têm uma avaliação muito grande em função dos fatos que aconteceram mais recentemente", analisou.

Para ele, somente a partir de junho ou julho é que o panorama começará a ficar mais claro. "Aí a candidatura que tem as melhores propostas, que mostra uma afinidade clara com a continuidade do governo Fernando Henrique Cardoso vai ter condições de se consolidar."

Aliança - Embora tenha destacado a importância do apoio do PFL para a vitória de Serra nas eleições, Tasso definiu como "consumado" o fato de o partido ficar de fora da base governista.

"Infelizmente, isso (a aliança) já é um fato do passado. Não ocorreu.

Tivemos uma série de problemas e agora nós temos de lutar com chances de ganhar bastante fortes, eu diria chances até de favoritismo ainda", disse.

Ele classificou de "artifício que dificilmente daria resultado", uma eventual candidatura do empresário Silvio Santos, pelo PFL.

O ex-governador não quis emitir opinião sobre quem seria o melhor vice para Serra. Alegou não estar participando da discussão.

Continuidade - Mas Tasso acredita que o tucano dará continuidade à política econômica do presidente Fernando Henrique Cardoso. "Isso não significa que ele vai seguir exatamente toda as linhas, o mesmo rumo. Até porque o candidato é novo, o País mudou bastante", ponderou, argumentando que, hoje, em vez de dar prioridade ao combate à inflação, o Brasil tem como grande meta retomar um "crescimento da economia mais justo", com maior distribuição de renda.

Sobre a redução dos juros, disse ser este "o objetivo de qualquer um que venha a assumir a Presidência".

Tasso afirmou ainda que, para enfrentar o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, os tucanos terão de estar atentos à posição mais "light" apresentada pelo petista. "O que significa essa visão mais light e como vai se portar o PT diante dela. Se o partido no seu todo, na sua representação congressual, vai realmente dar suporte a essa visão."


Artigos

Quem vai garantir a governabilidade?
Sandra Cavalcanti

A campanha eleitoral já começou. Pelo visto, promete ser das mais turbulentas. A democracia brasileira vai ser posta à prova, como um navio em águas revoltas. Vai sacudir muito, mas vai resistir bem, com a ajuda de Deus.

Seria bom que o eleitor aproveitasse esse período para identificar, com clareza, tudo o que continua errado no nosso sistema de governo e no processo eleitoral. Vai ser uma ótima oportunidade.

O eleitor brasileiro vai verificar que sua presença e sua participação só são reclamadas quando chega o momento das urnas. Cumprida a obrigação (sic!) de votar, ele sai de cena e é devolvido à platéia.

Sua ligação com a vida política do País, do Estado e do município é tão frágil e efêmera que, na maioria dos casos, o eleitor acaba se esquecendo do nome do candidato em quem votou. É bem verdade que, com esta parafernália de legendas e siglas, fica difícil guardar tudo na memória. São mais de 40!

Se somarmos a isso o desvio que o voto proporcional provoca nas intenções do eleitor, agravado pelas mais esdrúxulas coligações, dá para entender que ninguém possa, de fato, saber o que aconteceu com a escolha feita no dia da eleição.

Se, por exceção, o eleitor é um desses que acompanham atentamente o comportamento do candidato que mereceu a sua confiança, a situação ainda fica mais dramática. Vamos supor que o seu candidato seja eleito e, logo adiante, mude de legenda e traia todos os compromissos assumidos. Isso já aconteceu com todos nós, centenas de vezes. Fazer o quê?

Dispõe o eleitor de algum instrumento legal para exigir que a representação de sua vontade seja respeitada? Não. A partir do dia da eleição, o eleitor não existe mais no processo político... O pobre eleitor não tem mais nada a fazer! E os partidos também. Tudo de mãos atadas...

Sem a adoção do voto distrital, sem a proibição de coligações para mandatos legislativos, sem a perda do mandato por infidelidade partidária, sem a exigência de desempenho mínimo para a legenda ter direito a cadeiras no Parlamento e, finalmente, sem estabelecer regras de financiamento público para as campanhas, o novo Congresso que vem aí vai ser igualzinho ao que aí está. Mudarão os nomes, mas não mudará o comportamento.

Acompanho, com certa angústia, tanto o noticiário da mídia quanto a movimentação dos políticos. Continuam todos se iludindo com pesquisas e promessas. As pesquisas só cuidam de apontar o candidato que vai chegar na frente e as promessas só são feitas para ganhar votos. Artigos, análises, reportagens, acusações, suspeitas, tudo girando em torno das possibilidades desses candidatos. Parece que quem ganhar vai reinar sozinho...

Pouco se fala sobre o Congresso que vem aí, juntamente com o vencedor e de quem vai depender a governabilidade. Esse Congresso vai nascer das mesmas regras que vem provocando a sua desmoralização. Ainda com o voto proporcional. Ainda com as mais estapafúrdias coligações. Ainda com dezenas e dezenas de legendas absolutamente inconsistentes. Ainda com formação das chapas partidárias nas mãos de meia dúzia de caciques.

Ficaram novamente adiadas todas as mudanças que poderiam introduzir o eleitor no centro do processo político. O eleitor, que é a base do sistema democrático representativo, que tem o direito de eleger e de reeleger, esse eleitor não dispõe de meios para cancelar a delegação de confiança quando verifica que ela não corresponde mais à sua vontade. Pelas nossas regras, os mandatos são conquistados a prazo fixo. Eles não convivem com mecanismos legais de interrupção. Só sucumbem à prática de atos ilícitos.

No nosso presidencialismo, presidente só sai no fim do mandato. Ou, então, como registra a nossa triste saga presidencialista, por morte natural, por assassinato, por suicídio, por golpe, por revolução ou por impeachment. O mesmo ocorre com governadores e prefeitos. Quanto aos parlamentares, além das causas naturais, só por processo. E, assim mesmo, com muitos obstáculos...

Se perguntássemos ao eleitor brasileiro se ele gostaria de ter o poder de "deseleger", o resultado seria uma esmagadora resposta afirmativa. Mas como?

Sem a implantação legal de mecanismos que assegurem a vontade do eleitor, vamos continuar a ter presidentes reféns de uma volátil bancada majoritária.

Sem mecanismos que imponham mais segurança à existência da maioria parlamentar, vamos ter de suportar o triste espetáculo de conchavos, acordos, chantagens e sabe Deus o que mais! Ou será que o Lula, o Serra, o Ciro ou o Garotinho imaginam que vão governar sozinhos? O papel do Congresso, nesse sistema, é devastador. Basta um desentendimento na base parlamentar para travar o andamento do governo, que depende do Legislativo.

E a que se deve essa situação? À barafunda de partidos sem força real. Ao clima de insegurança que surge em ano eleitoral. Às alianças construídas por lideranças personalistas e ambiciosas. Na verdade, qualquer um que venha a vencer vai enfrentar esta situação: quem serão os companheiros de governo?

Quanto custará a costura dessa maioria frágil, volátil e irresponsável? Quem vai garantir a governabilidade?

Ainda sonho com o dia em que teremos o direito de interromper legalmente o mandato de quem traiu a nossa confiança.

O brasileiro ainda não descobriu que o nosso sistema de governo, inventado por Montesquieu, que se firma numa suposta independência entre os Três Poderes e numa burlesca harmonia entre si, jamais lhe dará esse direito.

O povo foi sempre induzido a rejeitar o parlamentarismo, por causa do medo de o governo cair nas mãos dos parlamentares. Nunca lhe passou pela cabeça que essa é, lamentavelmente, a realidade de hoje. Ao contrário, os governantes e os parlamentares só ficarão nas mãos do povo quando perderem poderes e direitos a prazo fixo.

Pelas leis de hoje, o eleitor já tem o direito de eleger. Recentemente, conquistou o direito de reeleger. Quando será que ele vai ter, afinal, o direito de "deseleger"?


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Queremos melhoramentos!
O assunto do momento é a clonagem. Todo dia aparece um bicho novo clonado em laboratório. E não se ficou em ovelhas e galinhas, mas se chegou aos macacos - um passo, claro, para a clonagem humana, que, na novela de televisão já chegou à realidade. Com muita pesquisa e inteligência, diga-se. Mas a impressão que dá é que a autora está tão perplexa quanto nós, telespectadores, sobre o rumo e destino que dará à sua adorável Criatura.

Mas voltando à clonagem real, aí é que está todo o fulcro do problema, o centro principal de todo o interesse: clonar seres humanos. Até que ponto o processo pode ser efetivo, a clonagem atingirá realmente a psiquê ou a cópia ficará apenas na parte física: feições, estatura. Cor da pele e cabelos ou irá também para os miolos; ou pior (ou melhor?) atingirá essa coisa indefinível, imaterial mas inegável - a que chamamos de alma?

Se você clonar um criminoso, a cópia terá também instintos criminosos? Ninguém publicou ainda observações sobre o caráter dos clones, em relação ao seu original. Por exemplo: sabe-se que as ovelhas são, por sua própria natureza, dóceis, pacíficas e agem sempre em grupos, tão unidas que nem precisam ter uma liderança explícita. Todos nós, fazendeiros, sabemos que basta abrir a porteira do redil, e encaminhar à saída o primeiro carneiro ou ovelha, e o rebanho inteiro o seguirá, os de trás atropelando os da frente, como se temessem ficar em solidão.

Outra pergunta: até agora, entre animais clonados, só se tem tido notícias de fêmeas - a começar pela Dolly. Será que eles também podem clonar machos? E em se tratando da espécie humana, vão poder clonar cavalheiros? Ah, essa invenção de clonagem abre espaços tão amplos para a imaginação que até nos deixa tontos!

O grande perigo apontado por todos os que discutem o assunto é a reprodução não autorizada, criminosa, clandestina de seres que não obedeçam aos padrões de ética, beleza, funcionalidade, desejados a todos os seres humanos.

A figura do cientista louco está sempre presente quando se fala nos processos biológicos que visam a interferir com a rotina da natureza. Não é de ontem o alvoroço que atacou a mídia, quando se começou a fazer a inseminação 'in vitro', tornando férteis casais sem filhos por dificuldade de acesso ao óvulo do indispensável espermatozóide. Hoje, o processo é banal, não originou nenhuma anomalia, e quase todo mundo já pode ter filhos, se os quiser.

Mas com a clonagem o campo fica muito mais amplo. Aberto o processo ao uso geral, terá de haver uma legislação específica e uma vigilância estreita dos laboratórios de clonagem, por parte das autoridades responsáveis. Talvez até se crie um Ministério da Clonagem, decretando por miúdos, quem pode ou não pode ser reproduzido. Por exemplo: a idade do clone-mãe? (ou pai): clonando-se um velho, será possível obter um clone jovem?

E a inteligência, os dons artísticos se transmitirão ao clone? Ou apenas os traços biológicos essenciais, a cara, os ossos, a musculatura? Eu, por exemplo, que não tenho filhos, talvez até gostasse de ser clonada. Mas exigiria tantos melhoramentos que, de certo, seria impossível satisfazer. Por exemplo: ser mais bonitinha, sem tendência para engordar, estatura um pouco maior e entranhas muito mais saudáveis: fígado, coração, miolos (não são entranhas, mas vá lá), miolos especiais, queda para as matemáticas e as demais ciências exatas... Ah, tanta coisa que eu queria ser e que não sou!

Vocês dirão: "Mas aí já não seria um clone, e sim um ser bem diferente de você." Claro! Os fabricantes de clones têm de aprender a criar diferenciações, senão não teriam freguesia. Um ou outro egocêntrico doentio poderia querer se reproduzir com total fidelidade. Mas até a verruga do queixo? Ou a urticária, a alergia a certos tipos de alimentos, ou ao tempero, ou ao queijo da pizza?

Há que pensar nisso tudo antes de fazer a encomenda. E voltando à lei disciplinadora: o narcisista delirante poderia exigir dos clonadores reprodução do seu nariz horroroso, que a ele parece lhe dar personalidade?

Agora a pergunta maior: e a inteligência, será clonável? Pois que adianta criarmos seres novos se não formos capazes de os fazer melhores do que os padrões da Mãe Natureza?

O Woody Allen é quase um gênio. Mas aceitará ele que o seu clone lhe reproduza, além do talento, a cara feia. O corpo desengonçado? Até agora só se sabe que o clone é uma reprodução perfeita da sua matriz. Mas qual matriz? A masculina ou a feminina? Se são necessários os dois elementos, macho e fêmea, para fazer um novo ser, qual será a cópia de quem? Da mãe ou do pai? Ou a clonagem dispensa a colaboração do pai? Então só teremos seres femininos? Ah, mas já existe mulher demais no mundo, é só ver as estatísticas.

O mal da humanidade, desde Adão, é querer ser mais sabida do que Deus. Se Ele fez o mundo assim como é, foi porque só dava deste jeito mesmo. Ele deve ter experimentado vários tipos. Dispõe de todos os sistemas planetários, de todas as galáxias - e só conseguiu nos fazer tais como somos, com todas as nossas deficiências. Quem sabe mesmo se Deus Nosso Senhor, desgostoso da humanidade tal como é, não suscitou essa invenção de clones para nos eliminar pela total monotonia? Os Seus desígnios são insondáveis. Quem sabe, Ele não quer, com a igualdade geral, acabar com a excrescência que é o pecado, nos fazer todos dóceis e inocentes, como um rebanho de Dollys? Ou, pelo menos, deixar que se separem os bons dos maus, por seleção natural, isto é, por seleção de clonagem; e, pondo os maus de um lado, acabar com eles? Só ficaremos nós, os bonzinhos; afinal, para todos os humanos, o bom somos nós, o mau é sempre o outro...


Editorial

VULNERABILIDADE INTERNA

O que não faz um ano eleitoral! Depois de ter aprovado ou tolerado um brutal aumento da carga tributária ao longo do governo FHC, o Congresso está aprovando reduções de impostos. A Tabela do Imposto de Renda Pessoa Física foi finalmente corrigida, depois de anos de congelamento, e a alíquota máxima cai de 27,5% para 25% no próximo ano. Além disso, as empresas prestadoras de serviços - nas quais se abrigam profissionais liberais que trabalham sem carteira assinada - não terão elevada de 1% para 3% a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

Isso já está votado. E logo deve ser aprovada no Senado a emenda constitucional que, se prorroga a CPMF até 2004, reduz a alíquota no último ano de 0,38% para 0,08%, uma queda significativa. A este nível, a sociedade estaria recolhendo hoje aos cofres públicos cerca de R$ 80 milhões por semana, contra os atuais R$ 400 milhões. Nessa mesma emenda, o Senado deve confirmar a decisão da Câmara dos Deputados que eliminou a CPMF de boa parte das transações no mercado de capitais.

O secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, reagiu exatamente de acordo com sua biografia: previu, ou pediu, uma "carga pesada de impostos" para recompor uma arrecadação que, sem aquelas mudanças, alcança mais de 34% do Produto Interno Bruto (PIB).

Como reagirão os candidatos?

Todos os chamados presidenciáveis têm pronta a resposta: reforma tributária.

Óbvio. Mas, para não repetir a história do governo FHC - que falava em reforma enquanto aumentava impostos e contribuições de má qualidade -, os candidatos precisariam olhar para o outro lado desta conta, o lado da despesa. No momento, eles estão olhando, mas com o olho gordo de quem promete aumento de gastos, aliás, o outro comportamento-padrão de ano eleitoral.

O problema, porém, é que não se trata apenas de comportamento de ano eleitoral. Não faz muito tempo, a revista Economist mostrou que o gasto público tem se elevado em todo o mundo de maneira constante, mesmo nos períodos em que prevalecem as doutrinas liberais e/ou conservadoras do tipo "tirem o Estado de nossas costas".

A demanda por gasto público parece infinita, mesmo que mude de objeto. Em um dado momento, a sociedade pede que o Estado construa estradas. Em outro, que forneça ensino gratuito ou pague aposentadorias generosas. E assim vai.

Para financiar isso, só há duas possibilidades: aumento da carga tributária ou maior endividamento público. As duas coisas aconteceram em quase todos os países, inclusive e muito especialmente no Brasil de FHC. Acusado de neoliberal, o governo aumentou as despesas de todos os tipos, em todos os anos.

Diz-se que o problema das contas públicas brasileiras está na taxa de juros elevada, sendo esta conseqüência do déficit nas contas externas. É verdade que os juros foram absurdamente elevados e que continuam muito altos, impondo uma pesada despesa financeira.

Mas eliminem-se os juros dessa conta e o que se encontra? As despesas primárias do governo federal - pagamento de salários, aposentadorias, custeio da máquina e investimentos - aumentaram sistematicamente. Em 2001, passaram um pouco de R$ 203 bilhões, isso representando 17,1% do PIB, contra 16,1% em 2000. Só com Previdência, os gastos do ano passado foram além de R$ 103 bilhões. Acrescentem-se as despesas primárias de governos estaduais e prefeituras e se ultrapassa com folga os 25% do PIB, que seria a carga tributária adequada para a economia brasileira. Ou seja, antes da despesa financeira já temos um problema de gastos excessivos e em alta.

O que se fez nos últimos anos foi acomodar a receita a esse aumento de gastos. Criou-se, assim, este sistema tributário que arrecada demais e de um modo que dificulta (e encarece) a atividade produtiva de empresas e pessoas.

Sabemos bem das dificuldades políticas para se votar uma reforma tributária ou para avançar nas reformas administrativa e da Previdência, que permitiriam ao menos conter o aumento de gastos nesses itens.

Mas não se pode concluir daí que não há o que fazer. Fala-se muito na vulnerabilidade da economia brasileira pensando-se somente nas contas externas. Estas são as vulnerabilidades internas, não menos preocupantes. O problema aparecerá inteiro para o próximo presidente.


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04/30/2002


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