Poemas Completos De Alberto Caeiro - 5prt
(anabordin)
XX - O Tejo é mais BeloO Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. O Tejo tem grandes navios E navega nele ainda, Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, A memória das naus. O Tejo desce de Espanha E o Tejo entra no mar em Portugal. Toda a gente sabe isso. Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia E para onde ele vai E donde ele vem. E por isso porque pertence a menos gente, É mais livre e maior o rio da minha aldeia. Pelo Tejo vai-se para o Mundo. Para além do Tejo há a América E a fortuna daqueles que a encontram. Ninguém nunca pensou no que há para além Do rio da minha aldeia. O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. Quem está ao pé dele está só ao pé dele. XXI - se Eu PudesseSe eu pudesse trincar a terra toda E sentir-lhe uma paladar, Seria mais feliz um momento ... Mas eu nem sempre quero ser feliz. É preciso ser de vez em quando infeliz Para se poder ser natural... Nem tudo é dias de sol, E a chuva, quando falta muito, pede-se. Por isso tomo a infelicidade com a felicidade Naturalmente, como quem não estranha Que haja montanhas e planícies E que haja rochedos e erva ... O que é preciso é ser-se natural e calmo Na felicidade ou na infelicidade, Sentir como quem olha, Pensar como quem anda, E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre, E que o poente é belo e é bela a noite que fica... Assim é e assim seja ... XXII - Num Dia de VerãoComo quem num dia de Verão abre a porta de casa E espreita para o calor dos campos com a cara toda, Às vezes, de repente, bate-me a Natureza de chapa Na cara dos meus sentidos, E eu fico confuso, perturbado, querendo perceber Não sei bem como nem o quê... Mas quem me mandou a mim querer perceber? Quem me disse que havia que perceber? Quando o Verão me passa pela cara A mão leve e quente da sua brisa, Só tenho que sentir agrado porque é brisa Ou que sentir desagrado porque é quente, E de qualquer maneira que eu o sinta, Assim, porque assim o sinto, é que é meu dever senti-lo... XXIII - O meu OlharO meu olhar azul como o céu É calmo como a água ao sol. É assim, azul e calmo, Porque não interroga nem se espanta ... Se eu interrogasse e me espantasse Não nasciam flores novas nos prados Nem mudaria qualquer cousa no sol de modo a ele ficar mais belo... (Mesmo se nascessem flores novas no prado E se o sol mudasse para mais belo, Eu sentiria menos flores no prado E achava mais feio o sol ... Porque tudo é como é e assim é que é, E eu aceito, e nem agradeço, Para não parecer que penso nisso...) XXIV - O que Nós VemosO que nós vemos das cousas são as cousas. Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra? Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos Se ver e ouvir são ver e ouvir? O essencial é saber ver, Saber ver sem estar a pensar, Saber ver quando se vê, E nem pensar quando se vê Nem ver quando se pensa. Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!), Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender E uma seqüestração na liberdade daquele convento De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas E as flores as penitentes convictas de um só dia, Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas Nem as flores senão flores. Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores. XXV - As Bolas de SabãoAs bolas de sabão que esta criança Se entretém a largar de uma palhinha São translucidamente uma filosofia toda. Claras, inúteis e passageiras como a Natureza, Amigas dos olhos como as cousas, São aquilo que são Com uma precisão redondinha e aérea, E ninguém, nem mesmo a criança que as deixa, Pretende que elas são mais do que parecem ser. Algumas mal se vêem no ar lúcido. São como a brisa que passa e mal toca nas flores E que só sabemos que passa Porque qualquer cousa se aligeira em nós E aceita tudo mais nitidamente. XXVI - Às VezesÀs vezes, em dias de luz perfeita e exata, Em que as cousas têm toda a realidade que podem ter, Pergunto a mim próprio devagar Por que sequer atribuo eu Beleza às cousas. Uma flor acaso tem beleza? Tem beleza acaso um fruto? Não: têm cor e forma E existência apenas. A beleza é o nome de qualquer cousa que não existe Que eu dou às cousas em troca do agrado que me dão. Não significa nada. Então por que digo eu das cousas: são belas? Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver, Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens Perante as cousas, Perante as cousas que simplesmente existem. Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!
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