No Dia Em Que O Gato Falou
(Millôr Fernandes)
Uma gentil e maníaca senhora tinha um gato siamês. Era um bichinho de raça, criado como se fosse gente. Gato bonito, amigo, parecia um deus. Só faltava falar. Muito triste, a senhora passava duas horas por dia tentando ensinar o gatinho a falar. Repetia letras, sílabas, palavras. Tinha esperança que a qualquer hora aquele olhar inteligente se manifestaria. Morava na mesma casa um outro animalzinho. Inferior ao gato, preso no poleiro de ferro, a pobre ave conversava. Até mais do que devia. Um papagaio que falava pelos poros! Se é que os tinha. Curiosa a natureza, pensava a mulher. Um gato quase humano, sem fala. E um papagaio cretino, a conversar. Foi então que teve a brilhante idéia. Matou o papagaio, depenou-o e o cozinhou. Pensou. Se o gato comer a carne do papagaio, ele, certamente, falará. Só que o gato não quis comer o amigo. Até apanhar o gatinho apanhou. Não conseguia imaginar o companheiro cozido, na panela. Mais tarde, vencido pela fome, o gato engoliu todo o papagaio da panela. Imediatamente, sua dona pulou de alegria! Enfim, o gato falaria! O gato, sentindo-se mal, começou a gritar, dizendo que fugisse pois, o prédio estava prestes a cair. Ela, rindo e chorando por causa do milagre, nem ouviu o que dizia. O gato insistia. Pulou para a rua, insistindo. Sua dona deveria sair do prédio. Bem rápido. Mas não deu tempo de mais nada. Um estrondo, e o prédio caiu, desmoronou-se. Sua dona ficou no meio dos escombros. Talvez estivesse ainda com um sorriso nos lábios. Afinal, seu gatinho falara! O bichano, assustado, comentou melancolicamente com um gato mais pobre do terreno ao lado. Sua dona preocupou-se tanto com a sua fala! E no momento que falou, ela não prestou atenção! E o artista não acredita mesmo na sua criação!
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