Poemas Completos De Alberto Caeiro - 6prt
(anabordin)
XXVII - Só a Natureza é DivinaSó a natureza é divina, e ela não é divina... Se falo dela como de um ente É que para falar dela preciso usar da linguagem dos homens Que dá personalidade às cousas, E impõe nome às cousas. Mas as cousas não têm nome nem personalidade: Existem, e o céu é grande a terra larga, E o nosso coração do tamanho de um punho fechado... Bendito seja eu por tudo quanto sei. Gozo tudo isso como quem sabe que há o sol. XXVIII - Li HojeLi hoje quase duas páginas Do livro dum poeta místico, E ri como quem tem chorado muito. os poetas místicos são filósofos doentes, E os filósofos são homens doidos. Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem E dizem que as pedras têm alma E que os rios têm êxtases ao luar. Mas flores, se sentissem, não eram flores, Eram gente; E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram pedras; E se os rios tivessem êxtases ao luar, Os rios seriam homens doentes. É preciso não saber o que são flores e pedras e rios Para falar dos sentimentos deles. Falar da alma das pedras, das flores, dos rios, É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos. Graças a Deus que as pedras são só pedras, E que os rios não são senão rios, E que as flores são apenas flores. Por mim, escrevo a prosa dos meus versos E fico contente, Porque sei que compreendo a Natureza por fora; E não a compreendo por dentro Porque a Natureza não tem dentro; Senão não era a Natureza. XXIX - Nem Sempre Sou IgualNem sempre sou igual no que digo e escrevo. Mudo, mas não mudo muito. A cor das flores não é a mesma ao sol De que quando uma nuvem passa Ou quando entra a noite E as flores são cor da sombra. Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores. Por isso quando pareço não concordar comigo, Reparem bem para mim: Se estava virado para a direita, Voltei-me agora para a esquerda, Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés ? O mesmo sempre, graças ao céu e à terra E aos meus olhos e ouvidos atentos E à minha clara simplicidade de alma ... XXX - Se Quiserem que Eu Tenha um MisticismoSe quiserem que eu tenha um misticismo, está bem, tenho-o. Sou místico, mas só com o corpo. A minha alma é simples e não pensa. O meu misticismo é não querer saber. É viver e não pensar nisso. Não sei o que é a Natureza: canto-a. Vivo no cimo dum outeiro Numa casa caiada e sozinha, E essa é a minha definição. XXXI - Se às Vezes Digo que as Flores SorriemSe às vezes digo que as flores sorriemE se eu disser que os rios cantam, Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores E cantos no correr dos rios... É porque assim faço mais sentir aos homens falsos A existência verdadeiramente real das flores e dos rios. Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me às vezes À sua estupidez de sentidos... Não concordo comigo mas absolvo-me, Porque só sou essa cousa séria, um intérprete da Natureza, Porque há homens que não percebem a sua linguagem, Por ela não ser linguagem nenhuma. XXXII - Ontem à TardeOntem à tarde um homem das cidades Falava à porta da estalagem. Falava comigo também. Falava da justiça e da luta para haver justiça E dos operários que sofrem, E do trabalho constante, e dos que têm fome, E dos ricos, que só têm costas para isso. E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos E sorriu com agrado, julgando que eu sentia O ódio que ele sentia, e a compaixão Que ele dizia que sentia. (Mas eu mal o estava ouvindo. Que me importam a mim os homens E o que sofrem ou supõem que sofrem? Sejam como eu ? não sofrerão. Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros, Quer para fazer bem, quer para fazer mal. A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos. Querer mais é perder isto, e ser infeliz.) Eu no que estava pensando Quando o amigo de gente falava(E isso me comoveu até às lágrimas), Era em como o murmúrio longínquo dos chocalhos A esse entardecer Não parecia os sinos duma capela pequenina A que fossem à missa as flores e os regatos E as almas simples como a minha. (Louvado seja Deus que não sou bom, E tenho o egoísmo natural das flores E dos rios que seguem o seu caminho Preocupados sem o saber Só com florir e ir correndo. É essa a única missão no Mundo, Essa ? existir claramente, E saber faze-lo sem pensar nisso. E o homem calara-se, olhando o poente. Mas que tem com o poente quem odeia e ama?
Resumos Relacionados
- Poemas Completos De Alberto Caeiro - 5prt
- Poemas Completos De Alberto Caeiro - 9prt
- Poemas Completos De Alberto Caeiro - 7prt
- Poemas Completos De Alberto Caeiro - 1prt
- Para Proteger As Flores De Olho Gordo
|
|