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"o Reino Deste Mundo"
(Alejo Carpentier)

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"O Reino Deste Mundo"
Enquanto esperava seu amo na barbearia, Ti Noel olhava as cabeças de terneiro e ficava a imaginar a cabeça dos brancos servida ao lado, na mesma bandeja. Em sua imaginação, comparava o rei branco com o rei negro, pois o rei negro é que era um rei de verdade, capaz de ir às batalhas, sua virilidade capaz de fecundar as mulheres dando origem à verdadeiros príncipes.
Mackandal, o mandinga que contava histórias de heróis africanos, de reis, falava sempre em São Domingos: local livre, onde os negros é quem iam mandar.Na moagem da cana, entre uma pausa e outra estava sempre a profetizar a vinda de um novo reino. Certo dia, durante a moagem, escuta-se os gritos, como estrondo de um trovão, vindo do engenho. O grito ecoou ao longe, até as colinas. Todos deixaram seus afazeres e correram em direção ao engenho. Quando chegaram, depararam-se com Mackandal puxando seu braço esquerdo que fora engolido junto com a cana.
Mackandal após ter sua mão e parte do braço engolido pelas engrenagens do engenho foi mandado para o pasto, a fim de vigiar o gado. Às vezes Ti Noel desaparecia, pois fugia para conversar com Mackandal. Este, durante esse tempo, se ocupou de descobrir ervas e cogumelos venenosos. Um dia, Mackandal desapareceu. Seu amo, não se preocupou em gastar energia para procurá-lo, pois pouco valia um escravo com um braço a menos. Quem encontrasse o escravo "maneta" avisaria-o; já era sabido que todo mandinga era desordeiro, demônio e revoltado e que escondia dentro de si um um fugitivo em potencial. Para os outros escravos, se Mackandal já posava de herói, o respeito que lhe era atribuido crescera, pois fugir para as montanhas era o sonho de todos.
O mandinga tinha alguém a quem confiar em cada fazenda da região, o que facilitou o seu trabalho. Logo começou o resultado de sua cruzada. As primeiras vítimas foram as vacas de Monsieur Lenormand de Mezy, o amo de Ti Noel. O veneno se espalhou rapidamente, parecia que todas as águas, vegetação, comida estava impregnada com esse veneno mortal: "...Á sombra das cruzes de prata que iam e vinham pelas estradas, o veneno verde, o veneno amarelo ou o veneno que não tingia a água, continua rastejando, descendo pelas chaminés, infiltrando-se pelas fendas das portas fechadas, como uma incontida trepadeira que buscasse as sombras para fazer dos corpos sombras também..."
Famílias inteiras iam-se acabando. O som dos sinos ecoavam sem cessar anunciando novas mortes. Os sacerdotes abreviavam o latim para atender as extrema-unções que sempre chegavam muito tarde. Tomados por medo de tomar água dos poços os colonos viviam embriagados pelo vinho, e açoitavam os negros em busca de respostas. Certa tarde, para livrar o trazeiro de uma carga de pólvora, um negro acabou confessando. Disse que o mandinga Mackandal, eleito pelo povo de outra costa, para acabar com os brancos e criar um império só de negros em São Domingos, foi tomado de poderes extraordinários advindo de vários deuses superiores. Nessa mesma tarde organizaram uma caça a Mackandal: "...A planície exalando a carne podre, os cascos mal queimados e a pestinêcia dos vermes ressoavam agora latidos e blasfemias."
Vários meses se passaram e nada de encontrarem o maneta. Uma forte esperança abarcava os corações dos negros, pois o voar de uma mariposa ou de um pelicano, a presença de um lagarto verde era entendido pelos negros como a metamorfose de Mackandl anunciando a sua volta para cumprir a profecia.
Na fazenda Dufrené, os negros,com permissão para festejar, comemoravam ao som da batucada, com uma malga de aguardente por cabeça, o nascimento do primeiro filho varão do amo. Ti Noel deixou os festejos de natal na fazenda de Lenormand para festejar na fazenda Dufrené. Durante a cantoria, surge, da noite, a figura de Mackandal, o mandinga, o maneta. Ninguém o saudou. Malgas de águardente percorreram várias mãos até chegarem à uma só: a de Manckandal. Ti Noel via vestígios de animais dos quais se transformara. Algumas escamas de peixe, olhos puxados como certas aves, barba como pelos felinos, resquícios das roupas de animais por ele vestido para se livrar da pele de homem durante sua fuga. Puseram-se a aclamar a volta de Mackandal após anos de espera. Mas brancos também têm ouvidos, e armados com trabucos, pistolas e mosquetões capturaram Mackandal.
Todos os negros foram levados por seus amos em direção à praça. Lenhas eram amontoadas ao pé de um tronco onde Mackandal seria executado. Os escravos eram indiferentes a tudo que estava acontecendo, isso deixava os amos irritados, mas de que sabia os brancos das coisas de negros? Tão logo Mackandal fosse preso ao tronco, aquelas cordas se afrouxaram em torno de seus quadrís, pois quem já foi mosca, pássaro, e outros minúsculos animais, não poderia ser preso por cordas e nós. De nada valeria todo o gasto daquele espetáculo que se encerraria com Mackandal zombando de todos os brancos.
Quando o fogo começou a chamuscar as pernas de Mackandal, esse balançou o "cotó" num gesto ameaçador e braniu insultos indecifráveis. Logo as cordas caíram e o negro lançou-se num vôo sobre a negrada que assistia a tudo esperançosos pelo cumprimento da professia.
Foi uma balburdia total. Os guardas soltaram coronhadas para tudo quanto é negro. Os urros, gritarias, o tumulto da multidão foi tanta que quase ninguém viu Mackandal sendo dominado por vários soldados e sendo mergulhado de cabeça nas chamas que, ao devorarem sua gaforinha, abafou seus urros. Quando os escravos se acalmaram, a fogueira ardia normalmente, como qualquer boa lenha é devorada pelas chamas.
Os negros retornaram para suas fazendas com um sorriso no rosto durante todo o trajeto, a profecia havia se cumprido. Mackandal permanecera no reino deste mundo. Lenormand de Mezy comentava com sua esposa sobre as insensibilidades dos negros diante da desgraça de um semelhante, justificando assim a superioridade dos brancos em relação aos negros.
Numa certa noite Lenormand de Mezy, atormentado pelas notícias, que soubera no Porto, sobre liberais enciclopedistas que se reuniram em assembléia e resolveram conceder direitos àfilhos de escravos libertos. Como se não bastasse havia uns que pregavam a igualdade entre os homens de todas as raças. Ao longe ouviu o mugido de uma concha, logo em seguida outras conchas responderam ao aviso da primeira, derrepente era como se todas as conchas do mar resolvessem cantar em coro. O som já estava nos barracões de prória fazenda. Assustado, Lenormand se escondeu, e, num só golpe, as portas dos barracões caíram, de uma só vez. De dentro dos barracões saíram os escravos. Armados de paus, cercaram as casas dos feitores, apoderaram-se das ferramentas, usando-nas como armas e gritaram: "Morte aos amos, o governador, o bom Deus e todos os franceses do mundo."
Impulsionados por instintos, saqueavam, matavam. Rindo e brigando, devastavam tudo que viam na frente. Ti Noel aproveitou o momento para fazer o que há muito desejava: estuprar a esposa do amo, que se encontrava no andar de cima. Lenormand de Mezy consegui se safar. Após dois dias escondido em um poço, criara coragem de sair.
Tudo estava em silêncio. Os revoltosos haviam partido em direção ao Cabo. Por todos os lados viam -se fumaças, exaladas pelos incêndio provocado pelos escravos, atingirem as nuvens. Nada que tivesse vida escapou da fúria negra: plantações, pessoas e animais. O cheiro de carne queimada dos animais, a cena de horror dos corpos dilacerados.
Os negros negros foram controlados, mas não antes de esuprarem quase todas as moças de famíla da planície. A ordem era que todos fossem executados, mas Lenormand de Mezy chegou ao Cabo em tempo de impedir que Ti Noel e mais doze escravos marcados com seu ferro fossem fuzilados, não por compaixão pelas suas vidas mas por não lhe restar nada mais a não ser os seis mil e quinhentos pesos espanhóis que valeríam esse escravos.
Embarcando em um navio para Santiago de Cuba, Mezy levava consigo os escravos, e de um a um foi se



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