Comissão aprova modificações na CPMF
Comissão aprova modificações na CPMF
Proposta, que ainda irá a plenário, isenta operações na Bolsa e prevê vigência até dezembro de 2003
BRASÍLIA - A Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF) que entrará em vigor a partir de 17 de junho vai isentar as operações na Bolsa de Valores, manterá o porcentual máximo de cobrança de 0,38% e vigorará até 31 de dezembro de 2003, conforme substitutivo aprovado ontem pela Comissão Especial da Câmara. A proposta vai a plenário no ano que vem.
A emenda prorrogou o fundo de combate à pobreza até o fim de 2004 e manteve a mesma divisão do dinheiro existente hoje: 0,20% para o Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde; 0,10% para o custeio da Previdência Social e 0,08% para o fundo da pobreza. Ficou decidido ainda que estarão isentas da cobrança da CPMF as sociedades anônimas que trabalhem exclusivamente com a aquisição de créditos oriundos de operações praticadas no mercado financeiro e as contas de investidores estrangeiros, relativos a entradas no País e a remessas para o exterior de recursos financeiros empregados, somente, em operações e contratos de compra de ações.
O relator da proposta, Delfim Netto (PPB-SP), tentou resolver o problema dos precatórios enfrentado pelos Estados. Alguns têm valores tão elevados que ameaçam paralisar o funcionamento das máquinas administrativas estaduais. Os precatórios de pequeno valor terão precedência sobre os demais. No caso dos Estados, pequeno será o precatório de até 40 salários mínimos (hoje R$ 7,2 mil) e, para as prefeituras, até 30 mínimos (R$ 5,4 mil).
Para atender a um pedido da Prefeitura de São Paulo, Delfim Netto estabeleceu que enquanto não houver lei complementar com as alíquotas mínimas e máximas para o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISQN), a mínima será de 2%. Não poderão ser concedidas isenções, incentivos e benefícios fiscais com esse tributo. Assim, os deputados entenderam que poderão combater um pouco a guerra fiscal.
PIB - A receita da CPMF para 2002 foi estimada em R$ 19,9 bilhões. Em 2001 foi de R$ 17,2. São recursos anuais correspondentes a cerca de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB). O esforço fiscal de todo o setor público, recém-acertado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), equivale a 3,35% e a 3,5% do PIB em relação a 2001 e 2002, conforme dados levantados por Delfim Netto.
Para o relator, a importância da CPMF aumenta se for comparada sua receita com a meta fiscal primária da União (excluídas as estatais). O superávit exigido nos orçamentos fiscal e da seguridade social é de 1,75% do PIB em 2001, segundo o acordo prorrogado com o FMI, e de 2,24% do PIB em 2002 e 2003, conforme a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Em reais, a meta primária é de R$ 29,2 bilhões. A receita da CPMF, com a aprovação da emenda constitucional ontem, equivale a 65% desse resultado.
Por seu impacto sobre o custo do crédito, a CPMF teria efeitos muito mais negativos se fosse adotada em países onde firmas e consumidores dependessem mais intensamente de crédito.
No Brasil, entretanto, o volume de crédito ainda é muito baixo, o que torna o ambiente econômico propício para a adoção deste tipo de tributo.
A votação na comissão especial foi simbólica. Contra o projeto ficaram os deputados Pimentel Gomes (PPS-CE), José Roberto Batochio (PDT-SP), Doutor Rosinha (PT-PR), Ricardo Berzoini (PT-SP) e Clovis Ilgenfritz (PT-RS). O deputado Germano Rigotto (PMDB-RS) se absteve.
Câmara sela acordo para levar mínimo a R$ 200
Aumento real será custeado com corte de R$ 1,55 bilhão nas emendas das bancadas regionais
BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), anunciou ontem o corte de R$ 1,55 bilhão nas emendas de bancadas estaduais e regionais ao Orçamento-Geral da União para garantir o aumento do salário mínimo de R$ 180 para R$ 200 a partir de abril. O aumento previsto na proposta orçamentária era de cerca de 5,55%, o que elevaria o mínimo para R$ 189, abaixo da inflação de cerca de 8% acumulada entre o último reajuste e abril próximo.
O anúncio da solução para o aumento do mínimo ocorreu depois de reunião com os líderes dos partidos da base governista e foi uma clara resposta de Aécio ao presidente Fernando Henrique Cardoso, que, em entrevista pela manhã, dissera que caberia ao Congresso achar a saída para o reajuste. O presidente comentou que o mínimo de R$ 200 "não é muito", indicando que o novo valor não compromete o equilíbrio das finanças da União. Mais tarde, por telefone, Fernando Henrique confirmou a Aécio que concordava com o valor.
"Já demos nossa contribuição para o fim da greve dos professores e dos servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), abrindo mão de R$ 500 milhões de recursos que seriam destinados às emendas de parlamentares", afirmou Aécio. "Agora, com a concordância de todos os líderes dos partidos da base de apoio do governo, estamos mostrando a maturidade da Câmara dos Deputados."
O relator-geral do Orçamento, deputado Sampaio Dória (PSDB-SP), disse que sabe que às vésperas da eleição é muito desconfortável defender a redução de verbas para emendas. Mas, segundo ele, os políticos também são sensíveis à pressão pelo aumento do salário mínimo. "O PFL, que não é propriamente um partido de trabalhadores, há três meses vem defendendo o mínimo de R$ 200."
Oposição - A pressa dos governistas na definição do mínimo tem uma explicação política. Quanto mais demora uma solução para o reajuste, mais os parlamentares de oposição acusam o governo de se negar a pagar salários dignos para os trabalhadores. A oposição apresenta também tabelas comparativas com os mínimos de outros países e mostra, por exemplo, que a situação do Brasil é pior que a do Paraguai e alguns países africanos.
O deputado Paulo Paim (PT-RS), por exemplo, mostrou na segunda-feira projeto elevando o mínimo para R$ 250. Paim é sempre o deputado mais votado do Rio Grande do Sul. Sempre por conta da defesa que faz do aumento do salário mínimo.
Aécio chegou ao Congresso depois de passar a manhã reunido com o relator do Orçamento. Disse que encontraria uma solução tanto para o reajuste do mínimo quanto para o da tabela que corrige o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Cancelou a reunião geral com os líderes e passou a fazer consultas aos governistas. Depois, reuniu todos os líderes com Dória. No fim da tarde, o próprio Aécio foi ao salão verde falar da solução.
O acordo dos governistas para o aumento do mínimo deixou de fora os partidos de oposição. Aécio disse que chamaria seus líderes para conversar, mas isso significa apenas cortesia, pois, mesmo que queiram elevar o mínimo para R$ 220, a oposição não tem número suficiente para vencer o bloco governista.
Na prática este é o segundo ano em que o Congresso encontra a solução para um reajuste real do mínimo. A proposta encaminhada pelo Executivo para 2001 e 2002 apresentou apenas o repasse da inflação, assim mesmo desatualizado. O Executivo tem se limitado a cumprir o que determina a Constituição, que é a garantia de manutenção do poder aquisitivo do piso dos benefícios pagos pela Previdência. O reajuste do mínimo tem de ser definido no Orçamento porque hoje cerca de 60% das aposentadorias e pensões da Previdência têm valor vinculado ao mínimo.
A solução para o novo mínimo deverá permitir a votação final do Orçamento da União até o dia 21, a data-limite. Ontem, Aécio confirmou a autoconvocação dos congressistas na próxima semana, já que o período legislativo se encerra nesta sexta-feira. A prorrogação dos trabalhos não significará novos gastos para os cofres públicos , pois os parlamentares não são remunerados para trabalhar durante a autoconvocação.
Ibope confirma Roseana em 2.º, com menor rejeição
BRASÍLIA - A governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), continua em segundo lugar na corrida presidencial, com 16% das intenções de voto, segundo pesquisa do Ibope para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgada ontem. O petista Luiz Inácio Lula da Silva obteve 31%. Foram ouvidas 2 mil pessoas, de 29 de novembro a 3 de dezembro. No último levantamento do Ibope, de setembro, a governadora tinha 12% e Lula, 30%.
O ministro da Saúde, José Serra (PSDB), caiu de 6% para 5% e o governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB), teve queda de 3% para 2%. A variação dos tucanos está na margem de erro da pesquisa.
O ex-ministro da Fazenda Ciro Gomes (PPS) passou de 12% para 10%, enquanto o governador do Rio, Anthony Garotinho (PSB), passou de 10% para 9% e o governador de Minas, Itamar Franco (PMDB), de 10% para 7%.
O potencial de votos de Roseana, num intervalo de seis meses, passou de 20% para 43%. Ela só perde para Lula, que teve 52%. A governadora conseguiu, ainda, reduzir a rejeição ao seu nome e tem o menor índice (38%) entre os presidenciáveis. Lula obteve 40%, Serra, 52% e Tasso, 50%.
A maioria dos entrevistados que afirmaram ter assistido a algum programa político sobre a governadora considera que Roseana consegue expor bem suas idéias, chama atenção pela imagem pessoal, além de demonstrar conhecimento sobre os problemas do País. O resultado foi comemorado pelo pai de Roseana, o senador José Sarney (PMDB-AP), que recebeu cumprimentos de colegas como Eduardo Suplicy (PT).
Em São Luís, Roseana atribui seu bom desempenho nas pesquisas à repercussão que, conforme observou, os resultados positivos de sua administração vêm alcançando em nível nacional. "Ainda não analisei os índices, mas acho que refletem a esperança do povo brasileiro de que o trabalho que estamos realizando no Estado poderá ser feito no País", disse, durante inauguração no centro da cidade.
Juíza do TRT de Rondônia terá de devolver recursos
BRASÍLIA - Os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) condenaram ontem a ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Rondônia Rosa Maria Nascimento Silva e a Cota (Construtora da Amazônia S.A.) a devolverem mais de R$ 1 milhão que teria sido desviado da construção do edifício-sede do órgão e da reforma do prédio das varas trabalhistas.
A juíza Rosa e a Cota terão de pagar ainda uma multa individual de R$ 100 mil. O TCU determinou o bloqueio dos bens da ex-presidente do TRT e da construtora por um ano para garantir o ressarcimento dos recursos. Rosa foi proibida de exercer por oito anos cargo em comissão ou função de confiança na administração pública.
Os ministros do TCU tomaram a decisão depois de analisarem dois processos. O primeiro investigou a locação de equipamentos, ferramentas e veículos por seis meses, mas que teriam sido usados efetivamente na obra por apenas 38 dias, o que teria provocado um dano de R$ 255 mil aos cofres públicos, de acordo com o tribunal.
O segundo processo tratou da repactuação do valor do contrato com a construtora, com utilização de critério de reajuste em desacordo com as normas legais para conversão em real, num prejuízo de R$ 896,3 mil, segundo o TCU.
Relator do processo, o ministro Walton Alencar Rodrigues classificou as condutas como delituosas e graves. Ele sugeriu que sejam encaminhadas cópias do processo ao Ministério Público e ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Tribunal simbólico condena rede privada de hospitais psiquiátricos
Brasília - Um tribunal simbólico formado por médicos, parlamentares e procuradores condenou por sete votos a zero a rede privada de hospitais psiquiátricos pela prática de 14 crimes contra os direitos humanos.
É muito desrespeito à vida, segundo o Conselho Federal de Psicologia, por se tratar de 250 clínicas que recebem R$ 490 milhões dos cofres do governo federal.
No bolo de recursos destinados pelo Ministério da Saúde a internações, os “condenados” só recebem menos dinheiro do que os hospitais do coração e as maternidades.
Na avaliação do tribunal, mais de 60 mil brasileiros são atendidos em locais de tratamento fechados, sujeitos a tortura, maus-tratos, abandono, lesão corporal, cárcere privado, abuso sexual, entre outros crimes descritos no Código Penal.
Os hospitais de tratamento fechado só devem acabar em 2005, prazo estipulado por uma lei federal sancionada há oito meses pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
O secretário de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Pedro Delgado, reconhece que é preciso acelerar a redução de leitos em tratamento fechado. Em 2002, a meta é reduzir em mais quatro mil e quinhentos leitos. “Há setores do ministério que defendem o descredenciamento imediato das instituições”, disse Delgado. “Eu defendo um ritmo que responda à real situação dos pacientes.”
Ele afirmou que, há 20 anos, os hospitais psiquiátricos formaram uma legião de pessoas com vínculos sociais que precisam ser reconstruídos. O secretário cobrou maior empenho dos municípios e Estados na substituição de manicômios por centros de atendimento aberto.
A servidora pública Gismair Ana de Castro, 42 anos, foi ouvida como testemunha. Ela só conseguiu sair de uma clínica em Anápolis (GO) depois de “enganar” os médicos. Para sair de lá, o paciente tinha de responder qual era o dia da semana. “Eu fiz antes a pergunta a uma enfermeira e ganhei a liberdade”, lembra.
“De outro jeito não dava para saber, pois eu vivia totalmente trancada, sem nenhum contato com o mundo.” Gismair não apagou da memória as agressões de enfermeiros e outros pacientes. Em uma ocasião, foi tentar queimar a corda que a prendia à cama e colocou fogo no lençol. A marca de queimado no seu pescoço, no entanto, é “uma outra história” das muitas histórias vividas no manicômio.
Hoje, Gismair é atendida em um centro aberto de Brasília. “Não dá para acreditar, mas os meus vizinhos nem chamam mais a polícia e o corpo de bombeiros para me levar.”
Um dos jurados mais empolgados do tribunal, o procurador da República Luiz Francisco de Souza, velho opositor do Executivo, condenou o governo “por pagar os donos dos hospitais”. “O governo lava as mãos como Pilatos”, atacou o jurado sob aplausos da platéia formada por estudantes e profissionais de psicologia.
Relatório divulgado pelo Conselho Federal de Psicologia apresentou sete casos de mortes ocorridas nas dependências dos hospitais psiquiátricos.
O paciente Davi Pereira, morto em um incêndio na Clínica Izabela em Goiânia, há três anos, é um dos casos relatados. “Nós temos ainda setores reacionários na academia acostumados ao poder totalitário do médico dentro do hospital”, afirmou o presidente do conselho, Marcus Vinicius de Oliveira.
O cineasta Helvécio Ratton foi outra testemunha ouvida pelo tribunal. Antes de filmar “O Menino Maluquinho” e “Amor & Cia”, Ratton produziu o documentário “Em Nome da Razão”, em que denunciou a violência no hospício de Barbacena.
No início dos anos 80, o manicômio atendia cinco mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças. O filme retrata inclusive uma ala psiquiátrica infantil. “Aquilo lá era uma cidade dos horrores”, conta.
Antes, a situação era pior em Barbacena e no País. O deputado Paulo Delgado, autor da lei que prevê o fim dos manicômios, diz que há 12 anos quando entrou com projeto na Câmara, mais de 250 mil pessoas eram atendidas em clínicas de tratamento fechado.
Artigos
Um jejum pela paz mundial
DOM CLÁUDIO HUMMES
Não obstante alguns avanço s no desmantelamento do terrorismo internacional, o mundo continua apreensivo diante da guerra que surgiu em conseqüência do atentado de 11 de setembro passado, em Nova York. Mudou, ao mesmo tempo, a consciência mundial e a de cada cidadão do mundo sobre a segurança que temos e a segurança que é necessária, à qual temos direito todos nós, povos, nações e indivíduos. Enquanto a maior potência mundial projetava construir um escudo espacial contra mísseis intercontinentais, os agentes do terrorismo internacional entraram tranqüilamente naquele país e ali, sem ser incomodados, prepararam e realizaram o maior atentado de que a História tem notícia, usando algo hoje tão corriqueiro como aviões carregados de gasolina e de cidadãos inocentes e indefesos, para transformá-los em bombas terríveis e devastadoras.
Neste contexto surge a questão dos países, grupos e indivíduos que dão suporte econômico, político, ideológico e logístico aos grupos terroristas e também a outras forças em guerra, como são as guerras na África e no Oriente Médio. A questão é como responsabilizá-los e como neutralizar esses suportes nefastos. O enfraquecimento e, finalmente, a eliminação de tais suportes tornariam insustentáveis as atividades terroristas e bélicas.
Sabemos que é preciso construir uma paz mundial sobre a justiça, que inclui o integral respeito do direito de cada povo, bem como a promoção e o desenvolvimento integral dos pobres. João Paulo II, ao visitar o Casaquistão, logo após o atentado de setembro, conclamou cristãos e seguidores de outras religiões a que "cooperem a fim de edificar um mundo sem violência, que ame a vida e se desenvolva na justiça e na solidariedade", "para que possa reinar no mundo o bem fundamental da paz".
O mundo tem direito a defender-se contra os atentados e as insanidades desumanas do terrorismo, mas a difícil questão é a escolha dos meios para consegui-lo. A guerra pura e simples é extremamente questionável se incluir destruição de países inteiros. Se ela ocorrer, é preciso abreviá-la o máximo possível. Outros meios devem ser esgotados antes do recurso a uma escalada bélica e militar. Tais meios são, por exemplo, a diplomacia, a negociação, o diálogo, a prisão e responsabilização judicial dos terroristas, bem como a pressão perseverante e persuasiva contra os que apóiam o terrorismo.
Diante do atual contexto bélico, João Paulo II pediu "aos católicos que o próximo dia 14 de dezembro seja vivido como dia de jejum, durante o qual vamos rezar fervorosamente a Deus para que conceda ao mundo uma paz duradoura, fundada sobre a justiça, e faça com que se possam encontrar soluções adequadas para os muitos conflitos que atormentam o mundo. Aquilo de que nos privamos no jejum poderá ser posto à disposição dos pobres, em particular dos que sofrem, neste momento, as conseqüências do terrorismo e da guerra". O jejum e a oração representam meios espirituais recomendados pelo próprio Jesus Cristo. Eles abrem o coração humano para Deus e o dispõem a renunciar aos seus egoísmos e ambições injustas.
Jejuar, para os católicos, significa tomar só uma refeição diária completa.
As outras refeições do dia são omitidas ou se limitam a um consumo menor do que o habitual.
Jejuar é um modo de manifestar a liberdade que o ser humano deve ter diante dos bens materiais que se lhe apresentam. É indigno do homem deixar-se dominar pelo desejo de consumir. Jejuar manifesta que somos capazes de contemplar os bens materiais desejáveis sem precisarmos compulsoriamente nos apropriar deles. Um animal faminto nunca resistirá a devorar a comida se ela estiver ao seu alcance e seu consumo não for acompanhado de ameaça de represálias. É que o instinto domina o animal irracional, ao passo que o ser humano é livre e pode contrariar seu próprio instinto. O jejum é um exercício espiritual que fortalece a liberdade humana e, portanto, pode dignificar o homem.
Ao mesmo tempo, jejuar é um exercício contemplativo, pois, colocando-nos diante dos bens desejáveis da natureza, sem devorá-los, nos torna capazes de olhá-los com outros olhos e descobrir neles valores outros e, quem sabe, melhores e maiores do que seu valor consumível. Será, então, um ato de comunhão com a natureza, e não de destruição. Aliás, Deus, nas primeiras páginas da Bíblia, entrega aos seres humanos toda a criação para cuidá-la e cultivá-la, e não para depredá-la e destruí-la. Assim, o jejum torna-se um exercício que poderia ter muita atualidade diante dos grandes problemas do desgaste ecológico do planeta, um exercício simbólico.
O jejum, enfim, pode ser um exercício de solidariedade para com os pobres.
Será sempre mais simbólico do que real, mas o simbólico tem uma grande eficácia educativa e é inspirador de rumos existenciais individuais e coletivos.
De fato, geralmente consumimos mais do que necessitamos. Poderíamos levar uma vida mais austera e nem por isso sermos menos felizes e realizados. A sociedade consumista atual representa uma afronta contra todos os famintos do mundo. Por essa razão, destinar aos pobres o que se economizou com um jejum é profundamente humanizador e promove justiça. "Edificar um mundo sem violência, que ame a vida e se desenvolva na justiça e na solidariedade", como propõe o papa, é trabalhar para um futuro de paz duradoura.
Colunistas
RAQUEL DE QUEIROZ
Voto não leva assinatura
Olha, essa história de eleições para tantos cargos anda nos invocando muito, mormente a nós, mais velhos. O difícil naipe de candidatos, os nomes impostos de baixo para cima, o aparente desinteresse popular pelos partidos e seus líderes, tudo nos parecia muito desanimador. Mas, de repente, nós, e muita gente, como nós, fomos nos apercebendo que o povo está se interessando pela eleição. Se interessando pelo voto - pelo ato de votar. Descobriram que votar é uma prerrogativa conquistada, descobriram - lá nos seus próprios termos o que nós, mais pomposamente, chamamos de "exercer o nosso direito de cidadania".
Tenho conversado com muita gente. Jovens, meia-idade, pobres, ricos, profissionais, biscateiros, funcionários, professoras, camelôs, manicures, babás, cozinheiras e o vasto espectro das chamadas prendas domésticas. E essas conversas nos dão a entender que os do povo estão descobrindo que o voto não é apenas uma obrigação periódica que, bem administrada, lhes poderia dar algumas mínimas e duvidosas vantagens materiais; uma espécie de fenômeno sazonal que eles deviam aproveitar na hora, sem jamais pensar nos seus efeitos a longo alcance. Agora, descobrem que o voto é um direito, que naquele momento importante, dentro da cabine indevassável, estão eliminadas todas as barreiras sociais e cada um deles é o igual de todos os outros brasileiros.
Descobriram ainda que cada cidadão - seja milionário ou bóia-fria - só dispõe de um único voto. Costumam perguntar como é que se contam os votos na apuração e se mostram surpresos descobrindo que o coronel ou o deputado só podem dar um voto, tal qual eles. E a gente brinca: "Como o coronel só tem um filho e você tem oito, você até que pode influir na eleição mais do que ele..." O velhote com quem falávamos meditou sobre e o assunto e riu: "Bem, eu lá em casa tenho o meu voto, o da mulher e os dos cinco meninos que já vota... E lá no coronel talvez só tenha mesmo o voto dele, escoteiro, porque mulher de rico não vota pela cabeça do marido, se governa pela cabeça delas..."
Vê-se, assim, que aquilo que nós mais desejávamos para o povo brasileiro, de certo modo, ele já está adquirindo: a consciência da sua cidadania. Eles estão dispostos a votar e não têm mais aquele antigo medo de votar contra a vontade dos mandões. Descobriram que voto não tem assinatura. Vão, pois, votar com uma nova segurança, uma nova consciência.
Podem votar nas pessoas erradas, o que, aliás, é possível e até provável. Por isso pagaremos todos; mas da próxima vez talvez não se deixem levar por entusiasmos fáceis. E se ainda votarem errado, paciência. Nós, que nos consideramos bem informados e racionalizamos nossas escolhas, em quantas frias nos metemos, quanto candidato péssimo apoiamos! Democracia se aprende devagar.
O importante é que o povo todo, pobres e os ricos, poderosos e os fracos, acreditam na sua identidade de cidadão. E exerçam a sua cidadania para o melhor, ou até mesmo para o pior. O resto fica com Deus, que, no remate dos males, é o responsável pelos acertos e pela loucura dos homens. Afinal, não foi Ele, Deus Nosso Senhor, que nos concedendo o Livre-Arbítrio inventou a Democracia? Dotados do Livre-Arbítrio, o mais fundamental de todos os direitos morais, o ser humano, pelo simples fato de nascer, já é um cidadão do Mundo.
A escolha independente entre o pecado e a virtude, a consciência do Bem e do Mal, tornam o Livre-Arbítrio o fundamento de todas as liberdades. Por decreto divino.
Editorial
Negociar, negociar sempre
Pela segunda vez, em menos de um mês, o presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou enfaticamente que o governo não aceitará um acordo de integração comercial contrário aos interesses nacionais. Em novembro, quando Fernando Henrique fez uma dura advertência a respeito do futuro da Alca, durante a 3.ª Assembléia Geral da Conferência Parlamentar das Américas, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos se preparava para votar o fast track e tudo indicava que o presidente George W. Bush faria concessões aos setores mais protecionistas do Congresso para poder aprovar a chamada Autoridade para Promoção Comercial. Na segunda-feira, o presidente Fernando Henrique Cardoso, falando durante a abertura da 3.ª Conferência Anual de Desenvolvimento Global, promovida pelo Banco Mundial, e estando já aprovado o fast track pela Câmara, com as restrições que se receava, voltou ao assunto, afirmando que, se forem levadas ao pé da letra as condicionantes impostas pelos representantes norte-americanos, "não vai haver Alca".
Há tempos o presidente deixou claro que sem a remoção das medidas protecionistas que bloqueiam o acesso de alguns dos principais produtos brasileiros de exportação ao mercado norte-americano, sem a revisão das medidas antidumping que são aplicadas arbitrariamente por Washington e sem a liberalização do comércio agrícola, o Brasil não concordaria com a abertura do comércio hemisférico na amplitude desejada pelos Estados Unidos. Para o governo brasileiro, a eliminação das medidas protecionistas discricionárias é condição necessária para que as negociações progridam.
O fast track, tal como foi aprovado pela Câmara dos Representantes, é tudo o que o Brasil não queria. Mas o presidente Fernando Henrique Cardoso, mesmo reafirmando a posição de seu governo, não deu o caso por encerrado. "É claro que a política é dinâmica e o fast track ainda não foi aprovado no Senado. É claro que o presidente americano vai ter uma certa margem de manobra", disse ele, revelando a esperança de que o Senado, tradicionalmente menos protecionista que a Câmara, modifique o texto da Autoridade de Promoção Comercial, de modo a torná-lo mais aceitável.
Em suma, Fernando Henrique, embora mantendo a firmeza de sempre, não abandonou a posição construtiva que vem marcando a participação brasileira no processo de integração hemisférica. Atitude oposta teve o candidato à Presidência da República pelo Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva. Lula foi taxativo: "Do jeito que eles querem, não será um projeto de integração entre os países, mas de anexação." E recomendou que o governo brasileiro substitua as negociações com os Estados Unidos por outras com a China, a Índia e o Japão.
O Brasil, de fato, deve procurar ampliar seu comércio com as principais economias da Ásia. Mas não se pode deixar de lado os Estados Unidos e os demais países das Américas, onde se concentra quase metade do comércio exterior brasileiro - e isso é um fato que um candidato à Presidência sério não tem o direito de ignorar, principalmente porque as negociações para a criação da Alca e a rodada global da OMC terminarão em 2005, na metade do próximo mandato.
O vice-presidente sênior e economista-chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern, concordou em gênero, número e grau com as afirmações feitas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o fast track. Para ele, "é melhor tê-lo do que não tê-lo", sendo inaceitável que os países ricos exijam que os países em desenvolvimento façam a abertura radical de seus mercados, mas mantenham barreiras ao acesso a seus mercados.
O Brasil tem a lucrar com a abertura dos mercados. Se os Estados Unidos - na hipótese de o Senado não amenizar as restrições do fast track - não removerem as suas barreiras, pode-se perfeitamente chegar a um acordo comercial hemisférico limitado, mantendo o Brasil parte de seu mercado protegido, dentro do estrito princípio da reciprocidade. E, se isso não for possível, pode-se não assinar nenhum acordo.
Mas, para vencer o protecionismo, a solução não é virar as costas para os Estados Unidos. É negociar, negociar sempre, para vencer as ambigüidades de um país que tem as tarifas de importação mais baixas do mundo, mas também as barreiras mais altas, quando se trata de proteger interesses específicos como os aços, os cítricos, a agricultura e os têxteis.
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12/12/2001
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