Constituição de 1988 amplia as atribuições do Senado



Com a atual Constituição brasileira, o Senado não apenas manteve todas aquelas atribuições que tradicionalmente lhe eram exclusivas, mas adquiriu outras prerrogativas de importância para o Legislativo. A avaliação é do consultor legislativo do Senado e professor de História Contemporânea da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Barbosa, ao comentar a evolução das atribuições do Senado ao longo do período republicano.

VEJA MAIS

- Agora, na atualidade, muito mais do que no passado, o Senado faz uso insistente da prerrogativa que ele também tem de iniciativa de leis, de emendas constitucionais, algo que antes tradicionalmente competia muito mais à Câmara e ao Poder Executivo. O Senado hoje faz uso muito bem disso - afirmou.

Barbosa também destacou o fato de o Senado ter mantido a prerrogativa de examinar a capacidade de endividamento das unidades da Federação, decidindo sobre os empréstimos contraídos por estados e municípios.

Nos últimos tempos, assinalou, o Senado também vem dispensando mais atenção à política internacional. Para Barbosa, essa foi uma das grandes falhas do Congresso republicano brasileiro, que nunca priorizou as relações internacionais e a política externa, exceto em momentos pontuais de crise aguda ou de guerras mundiais.

- Mas, ultimamente, depois de 1988, a Comissão de Relações Exteriores [e Defesa Nacional] do Senado tem adquirido um papel importante o que, creio, está muito ligado ao próprio contexto histórico que a América do Sul está vivendo - avaliou.

Barbosa explicou que a história republicana tem algumas características muito essenciais. Desde a Constituição de 1891, a primeira da República, o modelo que se procurou implantar no Brasil é basicamente o dos Estados Unidos da América. E isso, segundo ele, foi importante para a configuração do papel do Senado ao longo do período republicano.

- O Brasil adota, desde a Proclamação da República, a Federação e o presidencialismo. E o elemento que sustenta essa República Federativa é exatamente o Senado. A primeira grande diferença entre a Câmara e o Senado reside exatamente nesse ponto. Enquanto a Câmara será historicamente constituída por representantes do povo, os senadores também serão historicamente os representantes das unidades que compõem a Federação - explicou.

Regime

Barbosa destacou ainda o papel do Senado na chamada Primeira República ou República Velha, tendo em vista que o regime republicano, até 1930, mais do que meramente federativo, representou um amplo domínio político das oligarquias estaduais.

- Como o Senado representa esses estados, a Casa receberia também as grandes lideranças políticas de cada uma dessas unidades, algumas das quais obtiveram projeção extraordinária no exercício do mandato de senador, a exemplo de Pinheiro Machado e Rui Barbosa - afirmou.

Esse quadro, explicou Barbosa, altera-se a partir da chamada Revolução de 30, que registra não apenas o início de uma nova era política no Brasil - a chamada era Vargas, que vai durar 15 anos - mas a entrada do país em um processo de modernização econômica e de transformação das suas estruturas políticas.

- E o detalhe mais sério: em face da grande crise mundial dos anos 30, a democracia reflui. O chamado liberalismo, tanto econômico como político, perde espaço. E as instituições políticas não ficam atrás - disse.

O Brasil ganha uma segunda Constituição republicana exatamente quatro anos depois da chegada de Vargas ao poder. Na Carta de 1934, o Senado é mantido, o Legislativo continua sendo bicameral, mas com poderes bastante reduzidos. E com uma diferença fundamental que nunca mais se repetiu, explicou o professor da UnB.

- Pela Constituição de 34, o Senado brasileiro teria uma função jurisdicional extraordinariamente ampla. Para que o leitor entenda isso melhor, é como se fosse praticamente o Supremo Tribunal Federal, ou seja, a análise da constitucionalidade das leis, por exemplo, competia ao Senado brasileiro - lembrou.

Esse período durou pouco tempo, tendo em vista a ocorrência de um golpe de Estado em novembro de 1937, também seguindo uma tendência que era mundial. É a época do totalitarismo stalinista, na União Soviética. Do totalitarismo fascista, na Itália. E do totalitarismo nazista, na Alemanha e em quase todo o leste europeu.

- E o Brasil não fugiu a essa realidade. Sucumbiu sob o Estado Novo de Vargas, que vai durar até 1945. Nesse período não tem Senado e não tem Câmara dos Deputados. Não tem Poder Legislativo. É um regime rigorosamente fechado, autoritário, com algumas pinceladas de fascismo - recordou.

Redemocratização

Em 1945, cai a ditadura Vargas e tem início a redemocratização do país, que vai de 1946 a 1964, período considerado rico, do ponto de vista histórico, pelo professor Antônio Barbosa, embora marcado por muitas crises, algumas inéditas.

- Por exemplo, é um período em que o presidente da República, Getúlio Vargas, se suicida. Isso nunca havia acontecido antes e até agora também não se repetiu. É também nesse período que um presidente eleito teve a sua posse contestada, JK. É também nesse período que um presidente eleito com uma estupenda votação renunciou com sete meses de mandato. E é também nesse período que, em face da crise da renúncia de Jânio, introduziu-se o Parlamentarismo, pela primeira e única vez na história republicana - destacou.

Barbosa considerou ainda esse período como pedagógico porque, apesar de todas essas crises, o país foi aprendendo a conviver com a democracia. A sociedade brasileira está se transformando. O Brasil está ficando cada vez mais urbano, deixando para trás a imagem de uma sociedade agrária, rural, extremamente conservadora e analfabeta. Enfim, o Brasil se industrializa e se urbaniza. E isso se manifestou nas mudanças dos mecanismos de representação política.

A Constituição de 46, que é a da redemocratização, retorna obviamente com o Poder Legislativo e mantém a bicameralidade, recuperando algo que estava presente na primeira Constituição republicana de 1891, explicou Barbosa: a idéia de que o Senado existe para ser a Câmara da Federação; a Casa que vai representar os interesses das unidades da Federação; a Casa que, a exemplo do Poder Moderador do Império, funcionaria como uma espécie de ponto de equilíbrio das tensões, das dissensões e instabilidades políticas.

Para que o Senado seja um representante o mais imparcial possível de todas as unidades da Federação, a Constituição de 1946 retoma a figura do vice-presidente da República sendo presidente do Senado, seguindo um velho modelo dos Estados Unidos, explicou Antônio Barbosa. Essa situação prevaleceu até os anos 60.

Ditadura militar

Em 1964, há um golpe de Estado que inaugura um regime militar de 21 anos, com reflexos negativos no sistema de representação política. Nesse período, todo o Poder Legislativo, o próprio Poder Judiciário e todas as instâncias de representação política do país irão refluir, explicou Barbosa.

- É claro que o Senado vai sentir isso na pele. Trata-se de um regime autoritário que, a partir de dezembro de 1968 explicita, escancara de forma inequívoca o seu autoritarismo. O Senado continua existindo, sendo basicamente uma casa revisora, mas na verdade ele atua, tanto como a Câmara dos Deputados, sob o impacto de um poder autoritário que, a qualquer momento, pode cassar os seus m embros - recordou.

Contudo, exatamente na metade desse regime, quando se completavam os dez anos da chegada dos militares ao poder, é que o Senado protagonizou "o mais espantoso, o mais inesperado, o mais surpreendente e, ao mesmo tempo, o mais importante resultado eleitoral existente até então sob o domínio dos militares", relembrou o professor, referindo-se às eleições de 1974, que tiveram campanha no rádio e na televisão.

- Pela primeira vez os candidatos oposicionistas puderam exprimir os seus pontos de vista com razoável liberdade. E aconteceu então o que ninguém previa, nem os estrategistas do regime, como Golbery do Couto e Silva. Das 22 cadeiras que estavam em disputa no Senado, a oposição, representada pelo único partido de oposição existente, o MDB, venceu em 16 - afirmou.

De acordo com Barbosa, essa vitória oposicionista numa eleição majoritária, que era a do Senado, acendeu a "luz amarela" para o regime militar, apontando que o regime teria que se modificar de alguma maneira, estabelecendo uma estratégia de manutenção de poder ou de preparação para a sua retirada ao longo do tempo.

Entre as medidas tomadas pelo governo, e que atingiram fortemente o Senado, Barbosa citou o famoso Pacote de Abril de 1977, que pôs momentaneamente o Congresso Nacional em recesso e favoreceu a introdução de uma novidade que seria "agressiva" à democracia.

A partir das eleições seguintes, de 1978, cerca de 1/3 do Senado seria formado por senadores eleitos indiretamente, ou seja, não passariam pelo crivo do eleitorado. As assembléias legislativas, todas elas governistas - com exceção de uma única, a do Rio de Janeiro - indicavam um candidato ao Senado que não precisava passar por eleições diretas.

- E o povo, na sua sabedoria, vai apelidar esse senador indireto de "senador biônico", fazendo referência a um seriado de televisão muito famoso na época, em que o protagonista era um ser artificial. Essa artificialidade ficou clara aqui no Senado - afirmou Antônio Barbosa.

Lideranças

Para o professor, o Senado voltou a desempenhar "um papel extraordinário" em mais um período de redemocratização. Depois de 1974, especialmente a partir de 1978 e 1982, o Senado vai se caracterizando por receber as grandes lideranças estaduais, em geral ex-governadores que viam na instituição um caminho natural para a sua carreira política.

- São homens de peso que passam a ter um momento decisivo em todas as negociações que vão culminar na passagem do poder militar ao poder civil, de um lado e de outro, tanto pela situação como pela oposição. Poderíamos lembrar de Jarbas Passarinho, Petrônio Portela, Marco Maciel, Tancredo Neves, Paulo Brossard, Mario Covas, José Richa, Franco Montoro. Enfim, são grandes lideranças que na verdade vão costurar todo esse processo de transição - afirmou.

Não por acaso, destacou Barbosa, na saída negociada para o regime militar, que foi a última eleição indireta, os eleitos serão exatamente dois senadores: Tancredo Neves, para presidente da República, e José Sarney, para vice-presidente.

Por fim, Barbosa observou que o Senado também teve uma participação ativa no processo constituinte do novo regime democrático, em 1987, que culminou com a aprovação da Constituição de 1988. 

Mais informações sobre os 20 anos da Constituição no endereço http://www2.camara.gov.br/internet/constituicao20anos



19/09/2008

Agência Senado


Artigos Relacionados


CONSTITUIÇÃO DE 1988 AUMENTOU AS COMPETÊNCIAS PRIVATIVAS DO SENADO

Livro sobre os 25 anos da Constituição de 1988 é lançado no Senado

Constituição de 1988 é marco na proteção às mulheres

Constituição de 1988 fortaleceu a cidadania do trabalhador

Foro especial começou na Constituição de 1988

Suplicy: Constituição de 1988 trouxe estabilidade ao país