Debate mostra divergência entre autoridades e usuários de remédios de alto custo



A oferta de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) gerou polêmica entre autoridades do governo e associações de defesa dos direitos de pacientes que utilizam medicação de alto custo. A divergência ficou demonstrada nesta terça-feira (3) durante audiência publica que debateu projetos que tratam de políticas públicas de atenção à saúde e tramitam no Senado, a exemplo do PLS 219/07, de autoria do senador Tião Viana (PT-AC), e o PLS 338/07, de autoria do senador Flávio Arns (PT-PR).

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O debate foi promovido em conjunto pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) e a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). As duas propostas alteram e acrescentam dispositivos à Lei 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, e a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes.

O PLS 219/07 estabelece que a integralidade da assistência terapêutica, inclusive farmacêutica, consiste na oferta de medicamento cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas instituídas pelo gestor federal do SUS em protocolo clínico para a doença a ser tratada. Já o PLS 338/07 assegura que a oferta de medicamentos constantes de tabelas elaboradas pelo gestor federal do SUS não exime o poder público de fornecer outros remédios e produtos não listados pelo Ministério da Saúde.

Participaram da audiência o procurador da República no Distrito Federal, Carlos Henrique Martins Lima; o presidente da Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose - Fibrose Cística (Abram), Sérgio Henrique Sampaio; o diretor-presidente da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Dirceu Raposo de Mello; o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães; e o diretor do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Dirceu Barbano.

Também participaram do debate o coordenador técnico do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), René Moreira Santos; o secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra; os usuários de medicamentos excepcionais, Luis Eduardo Garcia Próspero e Fausta Cristina Panquestor Nogueira; a presidente da Associação Brasileira do Câncer, Marília Casseb, o professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e especialista em Hepatologia, Raimundo Paraná Filho, e os senadores Tião Viana e Flávio Arns.

Oferta limitada

O presidente da Abram disse que concorda com a regulamentação da entrega de remédios de medicamentos de alto custo pelo SUS, mas ressaltou que a exigência de protocolos clínicos - por meio do qual o Ministério da Saúde traça diretrizes para as ações desenvolvidas em estados e municípios, sendo revistos a cada cinco anos - limitará a entrega de medicamentos.

Sampaio lembrou ainda que, por meio de liminar concedida em março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu os efeitos de uma ação civil pública que impôs ao estado de Alagoas a obrigação de fornecer medicamentos para o tratamento de pacientes renais crônicos e transplantados, restringindo a entrega aos remédios contemplados pela Portaria nº 1318 do Ministério da Saúde, que abrange drogas de alto custo. Segundo ele, alguns gestores de saúde vêm encarando a decisão do tribunal como uma nova determinação constitucional, o que prejudica a recuperação dos pacientes que ficam sem receber a medicação adequada, embora o próprio tribunal tenha ressalvado de que a decisão era exclusiva para Alagoas.

Já o procurador Carlos Henrique lembrou que a Constituição estabelece que a atenção à saúde é universal e integral, observando que o projeto de Tião Viana, caso aprovado, poderá ser questionado na Justiça, tendo em vista que não existem protocolos para todas as patologias e que a lista do Ministério da Saúdem, que abrange 105 medicamentos, não abrange todas as doenças. A presidente da Associação Brasileira de Câncer, Marília Casseb, disse que o acesso aos medicamentos contra a doença é o principal problema vivido pelos pacientes.

- Entre 63 e 97 houve aumento de 50% na incidência de casos de câncer, com mais de 460 mil casos anuais, e não temos uma política voltada ao atendimento integral desses pacientes, a exemplo dos portadores de Aids - disse.

Fausta Cristina, portadora de hipertensão arterial pulmonar, disse ser favorável ao projeto de autoria do senador Flávio Arns e manifestou apreensão em relação ao projeto de Tião Viana, cobrando agilidade na entrega de medicamentos de alto custo.

- Queremos os medicamentos que participaram de protocolos clínicos e tiveram eficácia comprovada. A lista [do Ministério da Saúde] exclui pacientes e medicamentos comprovadamente eficazes no Brasil e no exterior. Não quero ser estatística dos mortos por falta de medicamento - disse.

Luís Eduardo Próspero também considerou um "absurdo" qualquer proposta de limitar a oferta de medicamentos de alto custo.

- Pagamos impostos para reverter para nós. O projeto de Tião é absurdo porque tenta tirar o que é nosso de direito. Até que ponto o país é para todos? Até que ponto temos direito à vida? - perguntou.

Pressão de laboratórios

As explicar o projeto, Tião Viana frisou que a proposta de sua autoria não pretende prejudicar os portadores de doenças e que o projeto pode ser aperfeiçoado por meio de um substitutivo. O autor do PLS 219/07 disse que a proposta visa apenas regularizar a entrega de medicamentos de alto custo pelo SUS, destacando que não é correto o governo sofrer pressões de laboratórios multinacionais para a compra de remédios.

- Ninguém quer tirar direito, pelo contrário, queremos assegurar. O projeto tem a responsabilidade de fazer justiça. O dinheiro [gasto pelo governo na compra de remédios] não pode atender a volúpia de multinacional. Perde quem não tem a informação como instrumento. O dinheiro do SUS deve ser aplicado com dignidade para beneficiar as pessoas - disse o senador.

Tião Viana sugeriu que os protocolos do Ministério da Saúde sejam atualizados anualmente, com a participação de técnicos do Ministério Público Federal e dos Conselhos Federal e Estaduais de Saúde. Ele propõe também o estabelecimento de um prazo para análise de casos excepcionais, em que seria avaliada a oferta de medicamentos não incluídos na lista do ministério.

- O projeto não é obra acabada e pode ser aperfeiçoado. Estou tranqüilo com a minha consciência. Meu projeto é humanístico e em defesa da vida - disse Tião Viana.

Durante o debate, manifestaram-se favoravelmente ao PLS 219/07 os representantes da Anvisa, do Ministério da Saúde, do Conass e da UFBA, além do secretario de Saúde do Rio Grande do Sul.

Ao final do debate, o senador Paulo Paim agendou um novo debate com os interessados para o dia 10, às 14h, na sala da vice-presidência do Senado.



03/07/2007

Agência Senado


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