A IGREJA DO DIABO
(MACHADO DE ASSIS)
Reza um velho manuscrito Beneditino que o Diabo teve a idéia de fundar uma igreja. Ele vivia há muito tempo sem organização, sem leis, sem cânones, sem liturgias. Ele queria ser o mais importante de todos. Nem Maomé, nem Lutero seriam mais do que ele. Dizia que “há muitas formas de se afirmar algo mas apenas uma para negar tudo”.
Imbuído desta idéia, foi ter com Deus para lhe explicar porque queria fundar uma igreja. As virtudes, replicou o Diabo, são como rainhas, cujo manto de veludo remata em franjas de algodão e ele, o Diabo, queria estas franjas para si, as quais seriam transformadas em seda.
O Diabo então desceu à terra e iniciou a fundação de sua igreja, prometendo aos homens todas as delicias do mundo. Primeiro ele mudou totalmente a imagem que tinha diante dos homens. De uma figura que espelhava o terror, passou a refletir uma imagem gentil e virtuosa, afirmando categoricamente, que era o verdadeiro pai da humanidade e que as virtudes deviam ser substituídas pela soberba, pela luxúria, pela preguiça e pela avareza, afirmando ainda que esta última era a mãe da economia.
Com grande eloqüência, transformava a verdade em mentira, as virtudes em pecados. Ensinava que “a fraude era o braço esquerdo do homem, e que o direito era a força e que muitos homens eram canhotos”. Afirmava que a venalidade era um direito superior aos outros e que o homem poderia vender até a sua consciência.
Combatia o perdão das injúrias e permitia abertamente a calúnia que deveria ser exercitada mediante pagamento. Para finalizar sua obra, proibiu todo tipo de solidariedade humana, pois o amor ao próximo era um obstáculo a sua nova igreja. O único amor que permitia era o “amor a si mesmo”, que na verdade não é amor, mas puro egoísmo.
O Diabo começou então a perceber que, às escondidas, muitos de seus fiéis praticavam o bem e não o mal. Muitos deles praticavam o jejum nos dias de preceitos católicos, alguns avarentos davam esmolas, certos dilapidadores do erário devolviam pequenas quantias. Um calabrês, a fraude em pessoa, além de não furtar no jogo, dava gratificações aos criados e, tendo feito amizade com um cônego, confessava-se com ele toda semana e benzia-se duas vezes ao dia.
Estupefato e furioso, o Diabo foi imediatamente falar com Deus que, em resposta, lhe disse que “era a eterna contradição humana”.
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