A Importância do Ato de Ler
(Paulo Freire)
LEITURA A SERVIÇO DA TRANSFORMAÇÃO
Freire, Paulo. A Importância do Ato de Ler - em três artigos que se completam. 45ª edição, Editora Cortez, São Paulo, 2003, 87 p.
Paulo Freire expõe nesse livro os principais fundamentos de sua pedagogia crítica, que fez com que ele se tornasse um educador mundialmente reconhecido. O livro destina-se a todos os que estão diretamente ligados ao ensino/aprendizagem e também aos que, atuando na esfera da administração, podem interferir em projetos de reforma educacional. Mas, dado o universalismo como ele trata a sua missão educadora voltada para as classes mais oprimidas, o livro pode alcançar um público bem mais amplo.
O volume compõe-se de três artigos, sendo o primeiro a transposição de uma palestra proferida por ocasião do Congresso Brasileiro de Leitura, ocorrido em Campinas, em 1981 e cujo título é “A Importância do Ato de Ler”; de um artigo intitulado “Alfabetização de adultos e bibliotecas populares – uma introdução”, também se constituindo numa palestra apresentada na ocasião do X Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação, em João Pessoa, em 1882; e o artigo “O povo diz a sua palavra ou a alfabetização em São Tomé e Príncipe”, tratando-se de um relato da experiência do educador e sua equipe com a alfabetização de adultos, no programa de reconstrução nacional a que deu ensejo o governo de São Tomé e Príncipe após sua independência, ocorrida em 1975.
A paixão de Paulo Freire por continuar dizendo coisas e ‘pronunciando o mundo’, como ele mesmo refere na apresentação do livro (p.10), parece ter motivado a publicação desses artigos nos quais podemos entrever, através de uma linguagem incisiva, as linhas máximas dessa pedagogia crítica que ele exerceu com a força de uma missão. O educador enfatiza através do conceito de que a leitura do mundo precede a leitura da palavra, a sua opção por valorizar o conhecimento que o indivíduo, integrante das massas populares, possui ao chegar na escola. O educador discorre sobre um método de alfabetização de adultos em que a experiência de vida do educando junta-se aos conhecimentos que vão sendo adquiridos na escola, num constante diálogo entre os conteúdos subjetivos e objetivos, permitindo ao alfabetizando que ele faça uma leitura crítica da realidade e com a consciência de que ele é o sujeito nesse processo.
A escrita de Paulo Freire nesse artigo fez-se como um testemunho apaixonado sobre como ele vivenciou a sua leitura de mundo ao tempo de sua infância no Recife. Construído numa mistura de tom coloquial e didático ao mesmo tempo, fazendo uma introdução de seu conceito de pedagogia crítica, ele conta nesse relato que, mesmo sem saber as letras, podia “ler” as coisas e seres que o rodeavam no seu mundo imediato. Assim, ao distinguir a palavra “gato”, por exemplo, já na escola para onde ele foi em seguida, a sua memória guardava a existência do ser que a palavra designa, pois já o havia visto, sentindo e interpretado a natureza do bicho solto no quintal de sua casa. Assim, ele entende que o seu processo de alfabetização iniciou-se, na prática, com sua experiência existencial, tal como descreve: “fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz”. (p.15).
Continuando a exposição de sua teoria da leitura do mundo que precede a leitura da palavra, o educador fala do aprendizado já na escola, afirmando que a leitura da palavra, da frase, da sentença não se constituía numa ruptura com a experiência de ‘ler” o mundo, antes a complementava na apreensão da língua e da linguagem, propiciando o avanço numa leitura mais profunda do mundo. Já como professor de Língua Portuguesa, o jovem Paulo Freire conduzia a análise da gramática com seus alunos, identificando-a no corpo do texto, de maneira que o estudo dos pronomes, por exemplo, “não era reduzido a tabletes de conhecimento que devessem ser engolidos pelos estudantes”, (p. 17). Este método distancia-se daquele que se desenvolve a partir das cartilhas e cujo aprendizado enfatiza o uso mecanizado da memória. Para o educador, um aprendizado que se tece na experiência existencial do educando e não do educador, numa linguagem que traduz seus anseios, suas inquietações, reivindicações e sonhos torna-se um ato criativo em si e, desse modo, também político.
Para ele, o educador tem efetivamente uma posição política à qual deve estar coerente em sala de aula. Entretanto, educar na perspectiva de uma pedagogia crítica é desenvolver uma escuta correta junto ao aluno para que ele tenha a sua palavra. Nesse sentido é que o educador exerce uma ação libertadora, não elitista e não autoritária junto ao educando, respeitando os seus níveis de compreensão, de humildade, mas também de capacidade crítica. Sendo assim, o educador deve colocar-se também na condição de aprendiz, pois como o autor observa: “quem sabe saiba sobretudo que ninguém sabe tudo e que ninguém ignora tudo” ( p. 27).
Resumos Relacionados
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