Amor
(Miriam)
Clarice Lispector, Amor. Ana era uma dona-de-casa, com sua rotina doméstica, que cuidava de seu marido e de seus filhos. Certa tarde, foi fazer compras para o jantar que reuniria sua família e seus parentes. Subiu no bonde, viu um cego mascando chicle e ficou perturbada. O bonde deu uma súbita arrancada e Ana deu um grito, derrubando suas compras, quebrando os ovos. O moleque dos jornais entregou-lhe o embrulho caído e o condutor reiniciou a partida. Ana, transtornada com o cego, esqueceu de descer no seu ponto e foi parar no ponto seguinte. Correu para o Jardim Botânico, onde sentou num banco e permaneceu contemplando as árvores, um gato, um pardal, uma aranha, as dálias e tulipas. De repente, lembrou dos filhos. Tratou de voltar logo para seu apartamento, de abraçar seu filho e de ajudar a empregada na cozinha. Chegou o marido. Vieram os parentes. Todos riam, com coração bom e humano. Porém Ana não esqueceu o cego. Todos foram embora, já era hora de dormir. Ana foi deitar-se, como que apagando o que acontecera naquele dia.
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