Poemas Completos De Alberto Caeiro - 2prt
(anabordin)
IV - Esta Tarde a Trovoada CaiuEsta tarde a trovoada caiu Pelas encostas do céu abaixo Como um pedregulho enorme... Como alguém que duma janela alta Sacode uma toalha de mesa, E as migalhas, por caírem todas juntas, Fazem algum barulho ao cair, A chuva chovia do céu E enegreceu os caminhos ... Quando os relâmpagos sacudiam o ar E abanavam o espaço Como uma grande cabeça que diz que não, Não sei porquê ? eu não tinha medo ? pus-me a rezar a Santa Bárbara Como se eu fosse a velha tia de alguém... Ah! é que rezando a Santa Bárbara Eu sentia-me ainda mais simples Do que julgo que sou... Sentia-me familiar e caseiro E tendo passado a vida Tranqüilamente, como o muro do quintal; Tendo idéias e sentimentos por os ter Como uma flor tem perfume e cor... Sentia-me alguém que nossa acreditar em Santa Bárbara... Ah, poder crer em Santa Bárbara! (Quem crê que há Santa Bárbara, Julgará que ela é gente e visível Ou que julgará dela?) (Que artifício! Que sabem As flores, as árvores, os rebanhos, De Santa Bárbara?... Um ramo de árvore, Se pensasse, nunca podia Construir santos nem anjos... Poderia julgar que o sol É Deus, e que a trovoada É uma quantidade de gente Zangada por cima de nós ... Ali, como os mais simples dos homens São doentes e confusos e estúpidos Ao pé da clara simplicidade E saúde em existir Das árvores e das plantas!) E eu, pensando em tudo isto, Fiquei outra vez menos feliz... Fiquei sombrio e adoecido e soturno Como um dia em que todo o dia a trovoada ameaça E nem sequer de noite chega. V - Há Metafísica Bastante em Não Pensar em NadaHá metafísica bastante em não pensar em nada. O que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso. Que idéia tenho eu das cousas? Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma E sobre a criação do Mundo? Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos E não pensar. É correr as cortinas Da minha janela (mas ela não tem cortinas). O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério! O único mistério é haver quem pense no mistério. Quem está ao sol e fecha os olhos, Começa a não saber o que é o sol E a pensar muitas cousas cheias de calor. Mas abre os olhos e vê o sol, E já não pode pensar em nada, Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos De todos os filósofos e de todos os poetas. A luz do sol não sabe o que faz E por isso não erra e é comum e boa. Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? A de serem verdes e copadas e de terem ramos E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, A nós, que não sabemos dar por elas. Mas que melhor metafísica que a delas, Que é a de não saber para que vivem Nem saber que o não sabem? "Constituição íntima das cousas"... "Sentido íntimo do Universo"... Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada. É incrível que se possa pensar em cousas dessas. É como pensar em razões e fins Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão. Pensar no sentido íntimo das cousas É acrescentado, como pensar na saúde Ou levar um copo à água das fontes. O único sentido íntimo das cousas É elas não terem sentido íntimo nenhum. Não acredito em Deus porque nunca o vi. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, Sem dúvida que viria falar comigo E entraria pela minha porta dentro Dizendo-me, Aqui estou! (Isto é talvez ridículo aos ouvidos De quem, por não saber o que é olhar para as cousas, Não compreende quem fala delas Com o modo de falar que reparar para elas ensina.) Mas se Deus é as flores e as árvores E os montes e sol e o luar, Então acredito nele, Então acredito nele a toda a hora, E a minha vida é toda uma oração e uma missa, Euma comunhão com os olhos e pelos ouvidos. Mas se Deus é as árvores e as flores E os montes e o luar e o sol, Para que lhe chamo eu Deus? Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar; Porque, se ele se fez, para eu o ver, Sol e luar e flores e árvores e montes, Se ele me aparece como sendo árvores e montes E luar e sol e flores, É que ele quer que eu o conheça Como árvores e montes e flores e luar e sol. E por isso eu obedeço-lhe, (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?). Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, Como quem abre os olhos e vê, E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes, E amo-o sem pensar nele, E penso-o vendo e ouvindo, E ando com ele a toda a hora. VI - Pensar em DeusPensar em Deus é desobedecer a Deus, Porque Deus quis que o não conhecêssemos, Por isso se nos não mostrou... Sejamos simples e calmos, Como os regatos e as árvores, E Deus amar-nos-á fazendo de nós Belos como as árvores e os regatos, E dar-nos-á verdor na sua primavera, E um rio aonde ir ter quando acabemos! ...
Resumos Relacionados
- Poemas Completos De Alberto Caeiro - 6prt
- Poemas Completos De Alberto Caeiro - 9prt
- Poemas Completos De Alberto Caeiro - 4prt
- Poemas Completos De Alberto Caeiro - 5prt
- Poemas Completos De Alberto Caeiro - 1prt
|
|