A Girândola De Amores
(Aluísio de Azevedo)
O que obriga o homem a escrever ou fazer poesia? Talvez uma inspiração divina, talvez uma imperiosa necessidade de expressar o que realmente sente, uma vontade de escrever o mundo real como se fosse uma mimese. Talvez tudo isso ou uma parte disso...
Porém, para Aluísio Azevedo nada disso. Sobre ele encontra-se o desejo de escrever por interesse financeiro directo. Uma necessidade e um desejo de deixar sua província e sobreviver na metrópole, o Rio de Janeiro, por quaisquer meios - e o ofício de escritor seria um deles apenas. Intenções corriqueiras entre jovens e velhos, embora problemáticas para um filho de comerciante do qual o pai esperava a continuidade nos negócios familiares. Desejo filial tornado possível com a morte paterna e a necessidade de uma fuga dos desafectos que proliferaram na cidade onde o viu nascer com o lançamento da primeira obra: O mulato, um violento libelo contra os preconceitos raciais e o modelo de estratificação social vigentes no Brasil.
Aquela acusação encontra prova no abandono do ofício de escritor assim que conseguiu outra atividade que o permitisse sobreviver. Nomeado para o serviço consular, o autor parou de escrever e nunca mais cumpriu sua fervorosa intenção de fazer uma espécie de comédia humana de brasileiros antigos e modernos. Sobre tal inspiração, movida pelo vil, ainda pairaria a responsabilidade por textos de qualidade inconstante. Caso em que se poderia enquadrar, inclusive, Girândola de amores, de inconstância evidente desde o título. Lançada em primeira edição como Mistérios da Tijuca, o romance recebeu, nas edições posteriores, o nome com que aparece aqui.
Sob um título ou outro, o leitor vai deparar com um romance cuja ação se desenrola no momento em que foi escrito e mostra um centro da cidade e bairros como o Rio Comprido, Tijuca e Botafogo, com várias características que hoje, depois de túneis, metrô e viadutos, se perderam. Do mesmo modo, a trama, banal e popularesca, é demostrada pela presença de uma personagem acometida por uma nevrose muito característica das mulheres daquele tempo, a histeria. Afeção psicopatológica que, por coincidência, um jovem médico alemão, de ascendência judia, pesquisava naquele momento e cuja elucidação seria o ponto de partida para uma das principais correntes psicoterápicas e de conhecimento do século XX.
Deixando por conta do leitor em afirmar ou refutar as aludidas acusações, recolhidas sempre dos críticos e historiadores de literatura brasileira, a história é, sem dúvida, um exemplo de uma literatura de fácil assimilação por qualquer leitor, com certeza, um de seus objetivos mais importantes. Mantendo fidelidade tais intenções, o texto apresentado aqui é fruto de um cotejo entre a 8ª edição da Livraria Martins e Instituto Nacional do Livro, que recebeu a introdução de Eugênio Gomes, e a edição preparada pela Garnier, em 1900, publicada com uma sumptuosa capa vermelha, fazendo fundo as letras pretas góticas, como é aconselhável numa novela de mistério. O produto final recebeu atualização ortográfica, acrescida da correção de cacófatos e de pontuação.
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