O Ovo Apunhalado
(Caio Fernando Abreu)
Terceiro livro do Caio Fernando a ser publicado, um dos mais importantes para ele, não tanto por seu caráter literário, mas por conta da censura a que sofreu (da primeira edição, cortaram alguns trechos "imorais") e principalmente pelo profissional, pois Caio considerava que os dois anteriores haviam sido fruto de amadorismo. ele não se referia ao seu conteúdo, mas à edição descuidada e má distribuição de seus primeiros rebentos. Esta magnífica compilação, que traz 21 de seus contos escritos entre os anos de 1969 e 1973, foi republicada em 1984 (a primeira edição saiu em 1975), em meio a certas dúvidas que Caio carregava sobre ela. Ele considerava algumas dessas peças literárias por demais pudicas; outras muito repetitivas em suas temáticas; e ainda outras demasiadamente paranóicas e melodramáticas. De qualquer forma, decidiu republicá-las por considerar que fossem um retrato fiel das almas e mentes daquela época. Sábia decisão.Dos contos inclusos neste "Ovo Apunhalado", a maioria trata de temas comuns em toda a sua obra. Para mim, o melhor exemplo disso é o conto "Retratos", cujo tema do abandono remete ao arrebatador "Além do Ponto", contido na sua obra-prima "Morangos Mofados", de 1982. Outro bom exemplo seria o do meu segundo favorito neste livro (já que o primeiro é "Gravata"), o conto "O Dia de Ontem", cujo tema retornaria também em "Morangos Mofados", no arrebatador conto "O Dia em que Urano Entrou em Escorpião".Isso sem mencionar uma pouco provável homenagem a Somerset Maugham, que identifiquei no conto "O Afogado", que mantém vários traços em comum com "Mackintosh", da coleção contística "Histórias dos Mares do Sul", de 1962. Além de ambos os desfechos serem praticamente idênticos, ainda há a relação contida entre os protagonistas de ambos os contos e também o número de elevado de páginas (mas não redundante), que os aproxima mais da novela, afastando-os do gênero conto. Caio Fernando conquistava não "apenas" pelo seu estilo solto e cativante, mas pelo modo como entendia sua geração, seus temores, suas utopias, suas dores; e as transmitia em palavras de forma tão consoladora e poética como uma canção dos Beatles, de quem ele tanto gostava. Aliás, a faixa "Lucy in the Sky with Diamonds" é recomendada por ele para acompanhar a leitura do conto-título, que fecha o "Ovo Apunhalado", talvez para fazer um contraponto da doçura da canção (que Lennon sempre afirmou nada ter a ver com LSD, mas com Lucy Richardson, uma amiga de infância de seu filho Jullian) com a morbidez agridoce deste último conto.Ele entendia e acolhia tão bem seus personagens porque realmente sentia o mesmo. Ao ler qualquer de seus contos, o leitor tem a impressão de que, anteriormente, Caio sentiu todos aqueles sentimentos e pensamentos, e os transmitiu a suas personagens. Isso explicaria sua capacidade em criar personagens tão comoventes, grandiosos e profundos, que provocam tão imediata simpatia e empatia mesmo em quem ainda está começando a conhecer sua obra. Caio Fernando era assim, conquistava no ato, na primeira linha, quando não nas primeiras sílabas. Começar a ler qualquer de seus contos e não terminar é praticamente uma impossibilidade, pois ele te abocanha, te arrebata, te golpeia, te acerta em cheio com sua escrita direta e essencial, com seu estilo positivista que nunca caía no lugar-comum, sempre com uma mensagem de esperança sem jamais ser brega, que te transporta para um mundo, um tempo maravilhoso e repleto de paz que talvez jamais tenha de fato existido e o faz acreditar que tudo aquilo existe. Caio Fernando me faz bem. Como escreveu Lygia Fagundes Telles no prefácio, Caio Fernando tinha a magia de um encantador de serpentes.
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