Resumo de Primeiras Estorias (1962)

A estrutura narrativa do conto, entre os subterfúgios da criação, exige clareza e concisão. A narrativa linear do conto, de princípio cobre essa premissa. Mas a o conto narrado na primeira pessoa é cheio de armadilhas. A narrativa linear na primeira pessoa dirigida a um contraponto imaterial tira e dá liberdade ao narrador.Espelho é simbologia. Pelo espelho Alice se transportou ao país das maravilhas, que eram raciocínios e intuições. Narciso morreu debruçado ao espelho. Vampiros não refletem no espelho. Mas aqui é o espelho vulgar, o espelho químico, o espelho de barbear, maquiar, ilusão cotidiana. O espelho que reflete o rosto, o aspecto próprio, a imagem fiel. Não. Reporto-me ao transcendente. Mas, cabe nesta realidade perceber o transcendente, resultante do concreto?Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo. Aos milagres somam-se fenômenos sutis. Disso tratamos. A magia do tempo transporta ao futuro, vindo do passado que esfumou, vive o mesmo dia, o efeito de fragmentos passados e vindouros ? enquanto isso esqueço que o espelho é olhar. O tempo é mágico, o olhar é espelho. Desconfie do que os olhos vêem. A alguém é dado o dom de ver o rosto de outra pessoa e o próprio reflexo?Por começo, a criancinha vê os objetos invertidos, daí o seu desajeitado tatear. Os olhos não são portas da alma, são portal e porvir de todos os enganos. O espelho, como olhar, acompanha a premissa: o espelho nos reflete diferente dos espelhos do parque de diversões que deformam a criatura. Enquanto ali sorrimos do monstro que não somos, no cotidiano o olhar protege a criatura deformada. Sob essa guarda, sobrevivemos ao espelho sem medo. Responda rapidinho: os animais e os anjos se miram no espelho? Quem procura enigma encontra enigma. Deixe a mente esvoaçar. Sem a tentação de mover bloqueios visuais. Os olhos numa gaiola como passarinho. Os olhos domados, a janela para a paisagem, a luz... Os olhos da gente não têm fim, e se submete a transar com e desconectadas percepções. Do contrário, preste atenção, o que vê no espelho será o bicho que dormita dentro de você. Assim, com a mente distraída, fala sério! Atenção! Que bicho é esse aí pressentido? Refletido num relance?Meditação. Ioga. Vida. Concentração. Espiritismo. Reencarnação. Metempsicose. Análise. Pirâmides. Cromoterapia. Cristais. Elementos naturais, coligações empíricas ? o espelho, olhar não-vendo. Perceber assim, o elemento hereditário ? as parecenças com os pais e avós ? que são também, dos nossos rostos, um lastro evolutivo residual. A prudência é um espelho rodeado de serpentes. Um dia a imagem desaparece. É prudente parar a investigação. Eu era - o transparente contemplador?Tudo é claridade, luz que não se vê, espelho sem reflexo, apenas Luz. Depois o íris, o trovão, halo sobreposto ao santo, luminosidade da alma, anel coroa de Jesus, raio dos vegetais, fulgor de corpos, luz da energia, clarão desconhecido, brilho lâmpada, luminescência que adora, sol dos sóis, fogo de lava, radiação do átomo, lume primordial, cintilação, brasa, tremular de tocha. Que luzinha, aquela, que de mim se emitia, para deter-se acolá, refletida, surpresa?Albert Einstein contou que o universo é da forma de uma bolha. Na suposição de que o nosso olhar alcançasse o fim veríamos nossa nuca. Chegamos a outra fórmula da mesma conclusão, onde o espelho é vida. A existência também é bolha, bolha de espelho, de todos os reflexos: gente, bicho, alma, santo, monstro. Reflexo de si mesmo, ainda não rosto, não delineado, emergindo, qual uma flor pelágica, de nascimento abissal. E era não mais que: rostinho de menino, de menos-que-menino, só. Só?

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