A Legião Estrangeira
(Clarice Lispector)
A narradora recebeu, às vésperas do Natal, um pinto de presente, vindo de uma família que fora vizinha dela e sumira inexplicavelmente. Então, ela se lembrou de Ofélia, a filha de oito anos dessa família. Eram pessoas que bloqueavam qualquer intimidade. Mas Ofélia adquiriu o hábito de visitar a narradora todos os dias. Enquanto esta ficava à máquina de escrever, trabalhando em sua profissão de copiar o arquivo de um escritório, Ofélia sentava-se, olhava para ela e dava conselhos, muito formal, como se fosse uma adulta cheia de sabedoria. A narradora ouvia, dificilmente falava, sempre a última palavra era da menina, numa postura antipática. Certo dia, a narradora comprou na feira um pinto para os filhos, ainda pequenos, brincarem. Quando Ofélia chegou para a visita habitual, ouviu o piar do pinto, pediu para vê-lo e pegá-lo. Nesse instante, perdeu a pose de adulta e se tornou uma criança brincando com o pintinho. Depois deixou-o na cozinha, despediu-se e voltou para a casa dela. Seguindo uma intuição, a narradora, logo após a saída da menina, foi à cozinha e encontrou o pinto morto. O pinto recebido hoje estremece embaixo da mesa. "Como na Páscoa nos é prometido, em dezembro ele volta. Ofélia é que não voltou: cresceu. Foi ser a princesa hindu por quem no deserto sua tribo esperava."
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