Abril Despedaçado
(Walter Salles; Arthur Cohn)
A primeira visão, aqui, é a de um menino, à contra-luz, anunciando ser nosso condutor, assim que ele conseguir lembrar da história que quer contar.São duas, na verdade. A primeira se passa em fevereiro de 1910,no desértico sertão nordestino, mas que, mesmo assim é um tanto atemporal, visto que alguns pontos dessa região não se desenvolveram muito desde então.O lugarejo onde moram as familias Breves e Ferreira é o Riacho das Almas. O riacho, como explica o menino, secou. Mas as almas continuam presas a cada grão de areia, a cada pé de cana presente naquele lugar. As duas familias são rivais e lutam entre si a fim de garantir a honra. Para a familia Breves, esta é a unica coisa que resta, já que são pobres e desiludidos demais com a vida. A história dos Breves, assim como a dos Ferreira, é marcada por sangue e mortes, tudo por causa do que parece ser uma tradição estúpida. Parece, mas tem sua lógica. Entre as familias rivais, é travada por uma lei sem fiscais, movida apenas por ódio e sede de vingança. Desde gerações anteriores, o pacto é mantido a fim de conservar, no minimo, a honra de seus membros. Se o filho de uma familia é assassinado, seu irmão tem o direito de assassinar um jovem da outra familia. Esta se torna à única lei que permanece naquela região, única certeza nas vidas tristes e miseráveis de quem vive por lá.Tonho é um Breve. Quando seu irmão mais velho é assassinado, ele deve matar um Ferreira e, claro, o circulo acaba fechando nele. Aos vinte anos, o jovem experimentou pouco da vida, restrita ao Riacho das Almas. A febre de viver, típica de quem tem vinte anos, foi substítuida pelo conformismo com a morte iminente, perspectiva de vida e morte ja enraizava na tradição familiar. Lá, se nasce para morrer.A moeda é o sangue e a tolerância é medida de acordo com a coloração da ultima mancha deixada pelo morto, em volta da bala inimiga que lhe robou a vida. O sangue amarelado na camisa é, não só uma indicação de tempo, mas principalmente a manifestaçãodo desejo do morto, que quer vingar sua morte.Quando a hora chega, o sangue da camisa está amarelo, observação que é uma sentença de morte. Essa é a espinha dorsal da história. Além disso, acrescentou um personagem chave na história: o pequeno Menino. O não-batismo só detona o clima em que a familia vivia. Nem se deram ao trabalho de dar um nome ao rebento. Para quê, se ele estava fadado à morte? Pois é esse menino que representa o não-conformismo pelas tradições, a possibilidade de poder sonhar e acreditar naquilo que ele nao via. Apesar de nao possuir um nome, o menino consegue dar asas à imaginação e, por isso, serve de ponte para que Tonho também consiga extravasas seus sentimentos reprimidos no seio familiar. Em terra de cegos, quem enxerga é rei. Esse rei sem nome que vai mostrar a Tonho que há vida fora de sua casa, do canavial, da bolandeira de onde tiram o sustento da casa. O caçula, no entanto, não descobre essa possiblidade sozinho: a chegada de uma dupla de artistas mambembes em uma cidade vizinha atiça a curiosidade do garoto de descobrir o mundo lá fora. Um presente dado pela dupla é o crucial para que a descoberta aconteça: um livro. Mesmo analfabete, mesmo "lendo" de cabeça para baixo, o menino ainda vê as figuras e sobre elas deixa sua imaginação infantil fluir, navegar com a sereia do livro e buscar uma vida alternativa, mais bela do que real. Se o caçula começa a descobrir sua própria imaginação, Tonho, já condenado à morte, descobre o amor no sorriso de Clara, a malabarista que deu o livro ao menino e que se apresenta na cidade ao lado."Abril Despedaçado" não é só história. É fotografia. O conjunto, organização de forma harmoniosa, resulta em uma bela obra. No fim das contas Abril Despedaçado mistura uma trama e uma narrativa.....
Resumos Relacionados
- Análise Do Filme Abril Despedaçado
- O Tempo E O Vento
- Dois Perdidos Numa Noite Suja
- Além Das Lembranças
- O Menino Do Pijama Listrado
|
|