"Não existe a hipótese de Serra não decolar"









“Não existe a hipótese de Serra não decolar”

Estado - O PSDB pode abrir mão da cabeça- de-chapa para manter a aliança?
José Aníbal - Essa hipótese não existe. Primeiro porque não existe a hipótese de o (José) Serra não decolar. O Serra é o candidato do PSDB agora, na pré-convenção, na convenção e na eleição. Ele é o candidato do partido para ser o próximo presidente.

Estado - Como manter um pacto de não-agressão?
Aníbal - Não vamos nos atacar entre nós. Temos clareza de que a convergência entre os partidos da base de sustenção vai prevalecer, se não no primeiro turno, no segundo. Não vamos nos dividir, deixar que prevaleçam impulsos, desejos pessoais sobre a necessidade de preservação desse projeto de governo.

Estado - As múltiplas candidaturas governistas não competem mais entre si do que com as de oposição?
Aníbal - Não há possibilidade de que iniciativas dos partidos da base venham a favorecer a oposição. Os partidos da base podem disputar, mas sem agressão. Vamos disputar de forma convergente, sem querer excluir o outro.

Estado - O lançamento da pré-candidatura do ministro Raul Jungmann foi uma articulação do governo?
Aníbal - Não precisamos de expedientes dessa natureza. Nem o PFL nem o PPB e muito menos o PMDB. Foi uma iniciativa que nos surpreendeu, mas é um direito dele. Não houve nenhum estímulo por parte do PSDB ou do governo.


FHC proíbe ataques a Roseana e exige unidade
Ordem é para “descolar” PSDB das críticas à pefelista e integrar Tasso à campanha tucana

BRASÍLIA – O presidente Fernando Henrique Cardoso interveio mais uma vez no processo de sua sucessão. Em uma série de conversas ontem com ministros, governadores e dirigentes nacionais do PSDB, deu duas orientações: os ataques ao PFL e a sua candidata à Presidência, governadora Roseana Sarney, estão proibidos; e todos, especialmente o ministro da Saúde, José Serra, têm de trabalhar pela unidade, trazendo o governador do Ceará, Tasso Jereissati, para a campanha presidencial dos tucanos. “Não podemos considerar Tasso um adversário nem Roseana nosso alvo”, afirmou o presidente a um importante tucano.

Fernando Henrique não concorda com a estratégia de polarizar a campanha com Roseana nem com as declarações cada vez mais freqüentes de tucanos contra ela. “Não gosto disso e não esperem de mim ações de militante radical porque eu não vou nessa direção”, afirmou Fernando Henrique a um integrante da cúpula do PSDB.

A ordem é trabalhar duro para “descolar” o PSDB das críticas a Roseana que, acreditam o presidente e o comando do PSDB, vão se multiplicar de agora em diante. E recompor a unidade do partido – aí incluído o governador do Ceará. “É um erro dizer que Tasso é apenas um dos seis governadores tucanos e sua ausência não pesa”, diz o presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB). “O que está em jogo é a unidade do partido.”

Mais do que a preocupação de manter o PFL na condição de aliado, o que pesa nesse caso é o fato de que a candidatura de Roseana não é vista como irreversível nem por Fernando Henrique nem pelos presidentes do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), e do PSDB, deputado José Aníbal (SP). Todos acreditam que o quadro eleitoral só estará cristalizado em junho, o que dá espaço até maio para que a aliança seja trabalhada e mantida.

Na prática, contudo, a idéia de candidatura única governista está cada vez mais longe de se tornar realidade no primeiro turno. O conflito de interesses ficou claro nas declarações dos presidentes dos três principais partidos governistas, durante encontro ontem em São Paulo. “Não há hipótese de abrirmos mão de termos candidato”, afirmou Anibal. “O PSDB tem a condição de preferência por ser autor do atual projeto para o Brasil.”

“A aliança tem de convergir para quem estiver melhor ”, contrapôs Bornhausen, numa menção velada aos índices nas pesquisas eleitorais de Roseana.

Michel Temer, presidente do PMDB, que até agora apresenta pelo menos três pré-candidatos à Presidência – o governador de Minas, Itamar Franco, o senador Pedro Simon (RS) e o ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann – também defendia a mesma coisa. “Trabalhamos pela candidatura própria.”

Como indícios de que estão mais separados do que unidos, dois dos três presidentes de partido deixaram escapar que estão prontos a desembarcar do atual governo, em caso de múltiplas candidaturas governistas. “Não temos compromisso de participar do governo, temos compromisso de apoiar o governo”, disse Bornhausen. “Asseguramos a governabilidade até março; em abril, avaliamos o quadro”, afirmou Temer. Para Aníbal, porém, a divisão de candidaturas não prejudicará o governo. “O fato de termos candidatos distintos num primeiro momento, não vai afetar a governabilidade.”

Pontos – Em nome dessa governabilidade, saíram do encontro de ontem dois pontos de consenso. O primeiro é o estabelecimento de um pacto de não-agressão entre os governistas. “Não podemos disputar entre nós, precisamos do melhor ambiente possível entre os partidos no período que vai até as convenções”, disse Aníbal. O outro foi a solicitação de uma audiência, nos próximos dias, com Fernando Henrique. O encontro serviria para encaminhar uma agenda de votações para o Congresso.


Pressionado, Serra busca o apoio de Tasso
Ministro até foi aconselhado a viajar ontem ao Ceará, mas governador não estava

BRASÍLIA - O ministro da Saúde, José Serra, está disposto a procurar o governador do Ceará, Tasso Jereissati, para construir a unidade do PSDB em torno de sua candidatura à Presidência da República. O presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP), pediu a Serra para correr atrás de Tasso ainda ontem. Mas o governador cearense foi para o interior e só pretendia voltar hoje a Fortaleza, onde deve jantar com o presidente da Câmara, o tucano Aécio Neves (MG), outro que está com a missão de pacificar o PSDB.

Para o secretário-geral da Presidência, Arthur Virgílio Netto, é hora de Serra procurar Tasso. "E a missão não é complicada. É só pegar o telefone, discar o 085 (código de área de Fortaleza) e o número do governador." Na sua avaliação, com esse gesto Serra contribuirá para a paz tucana e consolidará sua candidatura.

No jantar que teve com Aníbal na quarta-feira, o governador do Ceará deixou claro que espera esse gesto de Serra. Tasso disse que está aguardando o contato do ministro. Seja por telefone, seja pessoalmente.

Todo o esforço da direção do PSDB neste momento é fazer com que Tasso aceite participar do ato que a cúpula fará para lançar a pré-candidatura de Serra à sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso. O governador está relutante. Disse a Aníbal que não abrirá dissidência entre os tucanos, mas cuidará de seu governo, no Ceará. Significa, em outras palavras, que não pretende fazer esforço pela divulgação da campanha de Serra.

Isso não tem desanimado a direção do PSDB. O ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, por exemplo, ligou ontem para Tasso para dizer que, por determinação do presidente da República, estava avisando que ninguém será discriminado no PSDB. Disse esperar que o governador não abra nenhuma dissidência no partido e lembrou que para tudo há um tempo.

Portanto, cada coisa em seu tempo e lugar. Tasso aderirá à campanha de Serra quando quiser.

Prestígio - Ontem, em São Paulo, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, cobrou uma atitude do PSDB a respeito. "Tasso é um dos maiores líderes do partido e do País e tem de ser ouvido, prestigiado", afirmou. "Acho que o PSDB deve fazer um esforço não só no sentido da unidade partidária, mas também para prestigiar suas lideranças."

Alckmin reforçou que não acredita que Tasso saia do partido nem abra nenhuma dissidência. "Vai estar firme com o candidato do PSDB no momento oportuno."

Ele não confirmou se terá uma conversa com Tasso sobre a questão.


Tributarista diz que medida não pode revogar lei
Para o advogado tributarista Mário Morando, a medida provisória que corrige a tabela do Imposto de Renda não pode revogar o artigo da Lei 9.887, de 1999, que restabelece a alíquota máxima de 25% para o tributo a partir de janeiro de 2003. Segundo ele, se o governo insistir nessa tese os contribuintes terão pleno direito de ingressar na Justiça para garantir o porcentual mais baixo.

"A revogação teria de ser expressa", afirma Morando. Para ele, o objetivo da norma é corrigir a tabela e não mexer nas alíquotas. "A MP não fala de mudanças de alíquotas, mas sim de bases de cálculo. Pode-se até questionar a boa técnica de redação da medida, mas a intenção é clara", opina.

Já o Tributarista Alvaro Taiar Júnior, sócio-diretor da consultoria Price Waterhouse Coopers, acha que o assunto é polêmico e vai dar uma "briga boa".

"O raciocínio (de que houve revogação) não é absurdo", afirma. Isto porque, segundo ele, a nova tabela teria "tornado falho" o dispositivo da Lei 9.887 que restabelece a alíquota de 25%, pois tem como referência a tabela antiga.

Por outro lado, Taiar diz que uma norma posterior genérica não altera um diploma anterior específico. "É possível defender que a MP, por ser uma regra genérica, ao contrário da Lei 9.887 que é específica, não definiu a revogação quando não o fez expressamente", afirma.

Ele diz, porém, que as duas posições são juridicamente sustentáveis e é impossível prever o que o Judiciário decidirá, caso a questão vá parar em suas mãos.

Contribuição - A Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo (OAB-SP) divulgou ontem nota dizendo que a MP é inconstitucional. Para a entidade, o aumento da Constribuição Social sobre o Lucro Líquido, estabelecido no texto, viola o princípio da isonomia que garante que os impostos "terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte". A OAB-SP chama o aumento de "confisco".


“Até março asseguramos a governabilidade”

Estado - O PMDB terá candidato próprio à Presidência?
Michel Temer - Garanto que o PMDB vai cumprir o disposto na convenção, que é a candidatura própria.

Estado - E é possível manter o pacto de não-agressão?
Temer - É possível, até porque uma hipótese é fazermos aliança no segundo turno. Para isso, e para que o eleitor possa compreender o que está acontecendo, não pode haver agressão feroz entre as candidaturas.

Estado - As várias candidaturas governistas não comprometem a governabilidade?
Temer - É possível. Mas até março, asseguramos a governabilidade porque teremos, eventualmente, prévias no PMDB, e a definição do PSDB e PFL. A partir de abril, examinaremos o quadro. Essas reuniões se destinam a manter o diálogo para não cessar a governabilidade.

Estado - Há espaço para duas candidaturas governistas no segundo turno?
Temer - É muito difícil. Analisando hoje, uma das candidaturas que vai para o segundo turno é a do Lula.

Estado - Como o senhor avalia o lançamento da candidatura do ministro Jungmann? Foi uma articulação de Fernando Henrique?
Temer - O ministro Jungmann já reconheceu que foi um pouco atabalhoado. Não foi uma coisa útil, o PMDB não pode se prestar a esse papel. Candidaturas não podem nascer dessa maneira. E não acredito na articulação do presidente, seria de uma inabilidade extraordinária.


FHC veta controle do Congresso sobre Executivo
Orçamento sancionado fica sem dispositivo que exigia prestação mensal de contas da União

BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou ontem a lei orçamentária deste ano com veto ao dispositivo que permitiria ao Congresso exercer maior controle nos gastos federais, o mais inovador no projeto deste ano. Ao mesmo tempo, o governo liberou R$ 5 bilhões para os ministérios. Esta é a primeira vez que o Executivo autoriza investimentos em janeiro.

Segundo o ministro do Planejamento, Martus Tavares, o governo vetou alguns dispositivos na lei porque além de inconstitucionais, são contrários ao interesse público. Foi o caso do parágrafos únicos dos artigos 14 e 16, que exigiam o envio mensal ao Congresso, por parte de cada ministério, de informações detalhadas sobre a aplicação das verbas orçamentárias, e por programa.

"Além de ser matéria estranha à lei orçamentária, que deve se restringir à estimativa de receitas e fixação de despesas, a parte vetada poderia resultar na descoordenação da gestão pública", expôs o ministro.

Os ministros da Fazenda e do Planejamento foram mantidos como interlocutores junto ao Legislativo, para prestação de contas. Havia um dispositivo que retirava essa atribuição da área econômica.

Programas - Os recursos liberados para os ministérios correspondem a 10% das verbas previstas no Orçamento de 2002 para os 50 programas estratégicos do Avança Brasil nas áreas sociais e de infra-estrutura, a 6% das verbas para manutenção da máquina e R$ 500 milhões de "restos a pagar" - despesas orçamentárias de 2001 transferidas para este exercício. Estão fora desses limites as despesas obrigatórias - pessoal, juros da dívida e benefícios previdenciários e assistenciais.

Nos anos anteriores, em janeiro o Executivo autorizava somente despesas de custeio. A decisão de começar o ano acelerando os programas estratégicos está no decreto de programação financeira e orçamentária provisório. Até o fim deste mês, será fixado o cronograma anual de desembolsos com os valores que cada ministério vai dispor. Esses tetos serão fixados com base em uma revisão copleta das estimativas de receitas e despesas contidas no Orçamento aprovado no Congresso. Esses limites vão determinar se haverá corte das despesas incluídas no Orçamento por meio das emendas dos parlamentares, que elevaram de R$ 11 bilhões para R$ 17 bilhões a previsão de investimentos neste ano.

"Os recursos liberados por enquanto são suficientes para toda a máquina funcionar até o final deste mês", afirmou Martus. Ele enfatizou que a liberação imediata de 10% das verbas para os programas estratégicos do Avança Brasil - cerca de R$ 2 bilhões -, reforça a importância que o Executivo dá ao andamento dessas ações.

Como o governo precisa dos próximos 30 dias para compatibilizar as novas estimativas de receitas com as despesas previstas no Orçamento, a programação das despesas para janeiro evitará a paralisação de boa parte da máquina administrativa. A lei orçamentária prevê uma receita total em 2002 de R$ 320 bilhões para despesa total de R$ 292 bilhões, resultando num superávit primário das contas do governo central (incluídas as estatais federais) de R$ 37,2 bilhões.


Artigos

Os mistérios da água
Washington Novaes

Pouco a pouco, queiram ou não, gostem ou não políticos e administradores, água, recursos hídricos vão assumindo lugar central nas políticas públicas - por causa da escassez, da poluição, das enchentes, das crises energéticas em países (como o Brasil) dependentes da hidreletricidade, dos conflitos internacionais (hoje, 261 bacias hidrográficas são compartilhadas ou disputadas por países), dos conflitos internos entre usuários (abastecimento, irrigação, uso industrial).

A Conferência Internacional sobre Água Doce, em Bonn, no início de dezembro - informou Liana John, da Agência Estado -, propôs como meta reduzir à metade, até 2015, cerca de 1,2 bilhão de pessoas sem acesso a água de boa qualidade. Em 2050, poderão ser 4,2 bilhões de pessoas vivendo em países incapazes de garantir um mínimo de 50 litros diários para cada uma.

A humanidade já consome 54% da água disponível; em 2025 serão 70%; se todos os habitantes do mundo consumissem água como os dos países mais ricos, seria 90% da disponibilidade. Hoje, rios como o Amarelo (China), o Amu Darya (Turquia), o Colorado (EUA) já não chegam ao mar em boa parte do ano, esgotam-se antes, por excesso de consumo.

Enquanto isso, a tecnocracia da alimentação diz que será preciso aumentar o uso de recursos hídricos em 20% nos próximos 20 anos, para alimentar todo mundo (a agricultura já consome 70% da água); ambientalistas defendem reduzir o consumo em pelo menos 10%.

Dramático, sem dúvida.
Em meio à crise, sobrevêm, com frequência cada vez maior, notícias sobre água fora da Terra. Todo o líquido no nosso planeta veio do espaço exterior, trazido por corpos celestes que se chocaram com a Terra durante a formação do planeta - diz um físico, mais ou menos na linha de outro astrofísico que sustenta vir toda a água da condensação de minicometas ao entrarem na atmosfera terrestre -, o que continuaria a acontecer, todos os dias (uma "suave chuva cósmica", diz ele).

Outro físico ainda sustenta, com base em dados enviados pela sonda Galileu, que Calisto, lua de Júpiter do tamanho de Mercúrio, tem um oceano a 20 quilômetros de profundidade, sob uma superfície gelada. Outro mais afirma que Marte pode ter tido mais água que a Terra. Dados enviados pelo satélite Fuse mostram a presença de hidrogênio molecular na alta atmosfera marciana, conseqüência do vapor de água. E isso demonstraria que todo o planeta teria sido coberto por água, há 4 bilhões de anos (o falecido Carl Sagan sugeria que nos lembrássemos disso e não contribuíssemos para cenários dramáticos na Terra com mudanças climáticas).

Improvável que possa parecer - diz na revista The Sciences a zoóloga Erica B. Goldman (Universidade de Washington, Seattle), em artigo no início de 2001 -, a chave para decifrar os mistérios da água aqui e fora do planeta pode estar em dois lagos a dezenas de milhares de quilômetros de distância, um na Sibéria, outro na Antártida.

No Lago Baikal, na Sibéria, o mais fundo do planeta, com mais água que os cinco grandes lagos norte-americanos juntos, vive uma diversidade extraordinária de espécies animais, mais de 2.500, das quais 82% endêmicas, só conhecidas ali. Talvez por isso, os habitantes da região sempre atribuíram ao lago poderes sobrenaturais. Que condições geraram tanta diversidade?

Desde a queda do Muro de Berlim, cientistas de vários países se juntaram ali. Estão perfurando o fundo do lago para retirar amostras que evidenciem mudanças climáticas ao longo do tempo (o lago tem entre 15 e 30 milhões de anos). E fazem muitas outras perguntas.

Eles já sabem que o Baikal é uma fenda que provavelmente se formou por causa do deslocamento paralelo de placas tectônicas. E que parte de suas águas é aquecida no fundo pelo calor que vem de dentro da Terra.

Algo semelhante ao que acontece no Lago Vostok, nos confins da Antártida, mais de 3 quilômetros abaixo da superfície gelada. Ali está um lago com quase 15 mil quilômetros quadrados, do qual também se extraem amostras do fundo para estudar as camadas (gases, poeira vulcânica, metais) que se depositaram ao longo do tempo e podem dar informações sobre o clima em outras eras, até 420 mil anos. Amostras que podem conter formas de vida.

Como pode haver tanta água, tanto líquido, debaixo do gelo?, perguntam os pesquisadores. Também ali eles acham que o calor pode vir de dentro da Terra. E há três anos encontraram cristais diferentes, com bactérias congeladas, de diversos tamanhos e tipos - microorganismos que podem ter vivido no fundo do lago em condições adversas e alta pressão. Como puderam sobreviver sem ar e luz?

Se os cientistas que estão no Lago Vostok conseguirem decifrar o mistério, diz Erica Goldman, talvez entendam também o que está sendo descoberto fora da Terra - em Europa e Calisto, luas de Júpiter onde há água sob camadas de gelo. Se houver vida nesses lugares, provavelmente serão microorganismos altamente especializados, capazes de suportar frio extremo e isolamento, tal como no Lago Vostok.

Mas não será fácil ir adiante. As pesquisas têm de ser cercadas do maior cuidado, para não levarem contaminantes para o lago nem correrem o risco de tirar de lá algum organismo para o qual os humanos ainda não tenham defesa.

No momento, estão numa pausa, à espera das tecnologias capazes de dar essas garantias.

Se os cientistas conseguirem, talvez dêem mais um passo nessa interminável caminhada em busca de resposta para os segredos do cosmo - ao mesmo tempo em que continuamos a nos debater com a questão mais elementar: que fazer para não comprometer a água de que dependemos para sobreviver?


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

A fábula do homem e o seu garrafão
Pelo interior do Brasil é comum a presença de um cara que é chamado de "propagandista". Aqui pelo Estado do Rio, antes da camelotagem desenfreada ele era chamado também de "camelô".

Usava roupa vistosa, por exemplo: paletó xadrez vermelho e verde -, calças bois de rose, gravata azul-bebê. Em geral fazia propaganda de remédios que curam tudo, todos os males do mundo, e até maus pensamentos.

Ouvi que vendia xarope contra sífilis e, referindo-se às doenças "sexualmente transmissíveis", falava poeticamente em "mal de amores".

E foi a propósito de propagandistas que recordávamos ontem, minha irmã e eu, um caso que nosso pai nos contava garantindo que era verdadeiro.

Sucedeu numa cidade cujo nome ele não dava, para "evitar constrangimentos". O sujeito já desceu do trem vestido a caráter: terno de listras coloridas, sapato pampa, camisa roxo-batata, gravata amarela.

Na pensão registrou-se, levou a mala à sua vaga no quarto, e portando um grande rolo de papel debaixo do braço, pediu permissão à dona da casa para expor à sua porta um cartaz, que dizia o seguinte: "HOJE ÀS 16 HORAS, VENHAM VER O HOMEM QUE ENTRA NO GARRAFÃO!"

Dali foi à igreja à procura do vigário, solicitando à Sua Reverência licença para dar uma demonstração estupefaciente, tendo como palco a escadaria da Matriz. O padre ficou meio espantado quando leu o cartaz, mas acedeu.Também queria ver aquilo. Os outros cartazes foram espalhados pelas ruas, saturando todo o lugarejo.

Claro que a curiosidade foi enorme. Fizeram-se apostas, teve gente que rasgava nota de cem em duas, que é a maneira mais popular de registrar apostas sem papel escrito. Quem ganhar vai receber do outro a sua metade da nota.

Logo depois do almoço o nosso homem foi à farmácia, onde negociou o aluguel de um garrafão, de vidro, desses que transportam água destilada. Da pensão, conseguiu ainda uma mesinha, e assim, pontualmente, às 4 da tarde, lá estava ele com seus trajos multicores e os seus apetrechos, pronto para a "demonstração".

A praça pululava de gente. Faziam-se as mais ousadas conjecturas: "O garrafão é de borracha transparente. No que o homem for entrando ele estica, até caber." Outros acreditavam em hipnotismo. "Ele hipnotiza todo mundo, e aí a gente acredita que ele entrou em qualquer coisa." Outros achavam que era só um truque - "Não sei como é, mas tem de ser um truque."

E, assim, ele começou a falar sob aplausos e assobios. Delicadamente pediu silêncio à multidão: ia começar o espetáculo.

Tirou o casaco, tirou a gravata, pôs no chão o chapéu de palhinha, mostrou as mãos vazias. Então, lentamente, lentamente, tentou enfiar a mão direita pelo gargalo do garrafão. Não cabia, claro. Estirou o polegar, introduziu o dedo no gargalo - entrou! Mas parou na junta. Ele suspirava, mas, com a mão esquerda, tentou de novo: não entrou. Descalçou os sapatos, experimentou o pé - quá! Não entrou mesmo - era ainda maior que a mão. Tentou o nariz, até que ralou e minou sangue. Não entrou também.

E diante do silêncio atônito da multidão, o homem abriu os braços de pura impotência e constatou desolado:
- Realmente, foi impossível. Mas vocês bem que viram: EU TENTEI!


Editorial

O DESAFOGO DA JUSTIÇA FEDERAL

Sem dúvida, a instalação dos Juizados Especiais da Justiça Federal em vários Estados - incluindo São Paulo - a partir desta segunda-feira é uma boa notícia neste início de ano. E é uma ótima perspectiva de melhoria - em termos de celeridade e eficiência - da prestação de Justiça ao cidadão, em um tipo de conflito que, pela morosidade, mais o castiga: ou seja, naquele em que ele trava uma disputa judicial com o próprio País e, na qual, mais difícil do que ganhar é "levar", pois, se no Brasil as Justiças estaduais são "devagar", a federal é "quase parando".

Era mais do que tempo de a Justiça Federal seguir o caminho e absorver a bem-sucedida experiência, de mais de cinco anos, dos Juizados Especiais dos Estados, tendo em vista dispor de meios para acelerar o julgamento das pequenas causas. No âmbito federal, os Juizados Especiais deverão absorver as causas com valor até 60 salários mínimos (R$ 12 mil), notadamente os litígios em que seja parte a União, em razão de questões previdenciárias, expropriatórias ou tributárias. Quanto a este último aspecto, ressalte-se que o Planalto fez retirar da Câmara dos Deputados, para melhor estudo, projeto de lei que excluía da competência dos Juizados Especiais da Justiça Federal as demandas tributárias. Ainda bem que, pouco antes do funcionamento do novo sistema, o governo deixou de esvaziá-lo, em razão de um excesso de zelo arrecadatório. Nisso valeu o alerta do presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Flávio Dino.

Nos litígios com o Poder Público, o problema maior do cidadão é receber, depois de ganhar. Em todas as unidades da Federação quem se sai vitorioso numa demanda judicial com o Estado tem que amargar a expectativa dos famigerados precatórios, cujo cumprimento nem os milhares de pedidos de intervenção, decretados pelo Supemo Tribunal Federal (STF), têm conseguido apressar. Nesse sistema Especial da Justiça Federal não haverá precatórios.

Depois da decisão judicial, o governo federal é obrigado a pagar o que deve ao cidadão dentro de 60 dias, uma vez que fica abolida a obrigatoriedade de recurso (ex-officio), hoje vigente, nos processos em que o Poder Público federal é réu.

Como se sabe, a maioria esmagadora dos processos envolvendo os cidadãos e a União diz respeito a questões previdenciárias. Excluindo-se algumas privilegiadas categorias de servidores públicos, todo o relacionamento do cidadão trabalhador com a Previdência, seja sob o aspecto alimentar ou o assistencial, é complicado e penoso - especialmente tendo em vista o baixo nível geral de benefícios auferidos, em um e outro campo. É por esse motivo que, nos primeiros seis meses, os Juizados Especiais da Justiça Federal deverão se concentrar, exclusivamente, nas causas previdenciárias. De acordo com informações da Advocacia-Geral da União (AGU), em 180 dias os juizados poderão julgar pendências, entre o INSS e segurados, que demoram em torno de seis anos, na Justiça Federal. Considerando-se que 80% do 1,5 milhão de causas, do INSS, tem valor inferior a 60 salários mínimos, pode-se bem medir o alcance social do novo sistema.

Mas esse alcance pode ser ainda melhor avaliado em plano mais profundo.

Disse o presidente Fernando Henrique Cardoso, com razão, que os juizados especiais vão combater a morosidade, um dos principais problemas da Justiça e, sobretudo, "uma das causas do sentimento de impunidade que há no Brasil".

É claro que, como também reconheceu o presidente, falhas no sistema processual, o excesso de recursos e entraves que levam a postergar-se ao extremo o cumprimento de decisões judiciais dão sempre a sensação, para as mais diversas camadas da população brasileira, de que a Justiça não funciona - pelo menos com o mínimo de presteza necessária para dar, efetivamente, "a cada um o que é seu". É por isso que o principal objetivo de todo o processo de reforma do Judiciário, em discussão e em tramitação no Congresso Nacional, consiste em reduzir a duração dos processos judiciais e acelerar a prestação da tutela jurisdicional do Estado, em benefício da confiança que a sociedade deposita tanto em suas leis quanto em seu Poder Judiciário - destinado a fazê-las cumprir -, pois isso é condição indispensável de funcionamento das Democracias. Acreditamos que a instalação dos Juizados Especiais da Justiça Federal terá papel importante no reforço dessa confiança.


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01/11/2002


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